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Sexta - 05 de Julho de 2019 às 01:17

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É aquela época do ano. Colorida, convidativa e animada, regada a sabores dos mais diversos e por lágrimas apaixonadas de fiéis inconsoláveis, tamanha sua devoção. Anualmente somos renovados pelo vigor de São Benedito, esse santo de pele negra e traços marcantes, que fazia da pobreza uma riqueza espiritual sem limites, e que nos alimentava, corpo e espírito, com alimento inigualável. Santo de alma cuiabana, quase um pé rachado. Mas, acima de tudo, um santo brasileiro, que celebra a nossa raça, miscigenada, e que fortalece as tradições de um povo que luta desde suas raízes primárias. E essa época do ano ganha um brilho diferente. Em meio a um inverno seco, a primavera parece invandir as ruas da Capital, em sorrisos, cânticos, louvores e adoração que começam antes do raiar do dia.

A Festa de São Benedito une o calor da festividade à essa bela celebração social. Muito mais que uma reflexão profunda sobre o valor desse santo, esse momento exala a culturalidade cuiabana, evidencia nossas origens, fortalece a religiosidade que faz de Cuiabá uma terra única e se consagra como uma manifestação de fé, fidelidade e alegria. Arrastando multidões para procissões que começam antes mesmo do primeiro brilho da manhã, essa comemoração também resgata nossa identidade. Como alguém nascido neste berço, aprendi ainda muito cedo com São Benedito o quanto essa mesma festa estava ligada à minha história. E foi peregrinando pelas ruas como rei deste evento que uma parte - até então - escondida voltou a florescer.

Cresci vendo minha avó Nharinha madrugar toda terça-feira, para celebrar a missa das 5h, na Igreja do Rosário e São Benedito. Como minha primeira lembrança relacionada ao santo, era incrível contemplar sua inabalável fé, honrada em compromissos como esse e em tantos outros pequenos e grandes gestos religiosos. Jamais pensaria que a história da vó também se tornaria parte da minha. E como se o tempo não tivesse passado, me vi - pouco a pouco - recuperando algumas tradições que as circunstâncias tentaram abafar. Mas quem vem de Cuiabá, jamais consegue realmente se desligar. E envolto em tudo isso, fui tomado pela rica atmosfera que esse simples santo nos ensina até hoje.

E a Festa de São Benedito nos ensina muito mais do que imaginamos. Além de recuperar antigas tradições familiares, essa festividade nos permite criar tantas outras novas, à medida que fazemos da solidariedade uma parte fundamental dessa dinâmica. Ao me envolver com os festeiros, percebi o quanto sua dedicação é capaz de transformar a vida daqueles que os cercam. Semanalmente, logo após a missa das terças-feiras, o tradicional jantar para arrecadar fundos une pessoas distintas em prol de uma causa, onde fiéis doam seu tempo e talento, para promover uma comunhão social e espiritual entre os presentes. Se entregando de corpo e alma, eles fazem de toda essa celebração uma experiência renovadora. Quebrando paradigmas e dificuldades financeiras, eles elevaram a alegria e simplicidade deste santo para uma nação inteira, atraindo fiéis de fora e conquistando aqueles cuiabanos mais tímidos, que ainda insistem em pular essa poderosa festa, por conhecer pouco o seu valor.

Mas como um santo que traz em si toda a história brasileira, de um povo de raízes fortes e pele que estampa a beleza afro, São Benedito é a memória eternamente viva daquilo que temos de melhor: uma trajetória escrita pela religiosidade nascida de uma fé alicerçada nos princípios da simplicidade e da compaixão. E essa lembrança latente se reforça ainda mais na personificação dos nossos rei e rainha na cerimônia de levantamento do mastro, que marca o início dos festejos desta edição que celebra os 300 anos da nossa Cuiabá. Nilzo e Tetê, duas pessoas que trazem em si a beleza desse santo e que representam o amor ao próximo, sempre expressaram essa essência ao longo de suas jornadas como servos da cozinha da igreja. Seu incontável amor agora é coroado com mais essa honraria. E Ser lembrado disso, por meio das vozes que entoam sua riqueza histórica em procissões, missas e encontros simbólicos, fortalece a alegria e a honra de ser cuiabano. Daqui, o meu coração jamais se distanciará. E aqui, eu também vou celebrar os ensinamentos desse mestre. Obrigado por sempre nos recordar de nossas poderosas origens, São Benedito. E viva São Benedito!!

Niuan Ribeiro é advogado e Vice-prefeito de Cuiabá.



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