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GERAL
Quarta - 13 de Fevereiro de 2019 às 14:31
Por: Carlos Affonso, uol noícias

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A Internet como conhecemos está na mira do Supremo Tribunal Federal em 2019. É possível bloquear aplicativos, como o WhatsApp, no Brasil? As autoridades investigativas podem exigir quebra de criptografia nas comunicações? O Google pode ser obrigado a "esquecer" resultados de busca? Os municípios podem proibir o funcionamento de aplicativos de transporte privado, como Uber e 99 Pop?

Todas essas perguntas serão respondidas com o julgamento de processos que estão em andamento no STF. Alguns já entraram em pauta para julgamento (ou até mesmo começaram a ser julgados, mas um pedido de vista interrompeu a sessão). São pelo menos sete processos que vale a pena manter no radar.

Bloqueios e criptografia. Duas ações discutem o bloqueio de aplicações no Brasil, os seus fundamentos e, de quebra, o futuro da criptografia. Tudo começou com os sucessivos bloqueios do WhatsApp no País. As autoridades alegaram que a empresa não estava cumprindo as ordens judiciais que buscavam ter acesso ao conteúdo das conversas mantidas no app. O WhatsApp respondeu que, dada a implementação de criptografia ponta-a-ponta, nem mesmo a empresa teria acesso ao conteúdo das mensagens.

Os tribunais então começaram a ordenar a suspensão do aplicativo no País. Um dos fundamentos usados pelos magistrados foi um artigo do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14). O artigo 12 da Lei condena as empresas que descumprirem as normas sobre privacidade no País à suspensão de algumas atividades, como a continuação da coleta e do tratamento de dados de brasileiros. Alguns juízes interpretaram essa norma como sendo uma permissão para suspender os aplicativos como um todo.

Uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI nº 5527), movida pelo Partido da República (PR), questionou esse dispositivo do Marco Civil da Internet. A relatoria do caso está com a Ministra Rosa Weber e o processo já entrou em pauta para julgamento. O tribunal pode decidir que o artigo 12 é inconstitucional, ou ainda orientar a interpretação dos tribunais, evitando que o artigo seja lido como uma permissão para bloqueio de aplicações de modo geral.

Ainda sobre a questão dos bloqueios, o Partido Popular Socialista (PPS) entrou com uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF nº 403). Essa ação argumenta que os bloqueios judiciais do aplicativo WhatsApp violariam a liberdade de expressão, conforme protegida no artigo 5º, IX, da Constituição Federal, e no próprio Marco Civil da Internet. O relator é o Ministro Luiz Edson Fachin e o processo também já se encontra em pauta para julgamento.

Foi nesse processo que o Ministro Ricardo Lewandowski deu uma decisão liminar que suspendeu a suspensão do WhatsApp que havia sido determinada pela 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. O Ministro lembrou que o próprio Poder Judiciário usa aplicativo para expedir intimações.

O Ministro disse ainda que "a suspensão do serviço do aplicativo WhatsApp, que permite a troca de mensagens instantâneas pela rede mundial de computadores, da forma abrangente como foi determinada, parece-me violar o preceito fundamental da liberdade de expressão aqui indicado, bem como a legislação de regência sobre o tema. Ademais, a extensão do bloqueio a todo o território nacional, afigura-se, quando menos, medida desproporcional ao motivo que lhe deu causa."

Ambos os processos tiveram uma audiência pública conjunta em 2017 na qual se discutiu como funciona a criptografia. Sobre esse tema, vale destacar que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ingressou uma petição nos autos comparando o aplicativo aos serviços de entrega de correspondências e de encomendas, como Correios, Fedex ou DHL.

O sigilo garantido na Constituição – argumentou a AMB – poderia ser quebrado em caso de suspeita de que o pacote a ser entregue estaria relacionado à atividade criminosa. Nessas circunstâncias, nenhuma empresa poderia simplesmente recusar uma ordem de busca e apreensão do pacote. Em caso de recusa, estaria o Poder Judiciário autorizado a suspender as atividades econômicas da empresa (medida prevista no Código de Processo Civil, artigo 319, VI).

Conforme afirma a AMB na petição: "No Brasil, não poderia uma empresa de transporte de encomendas — repita-se e insista-se, ainda que fosse uma das maiores do planeta — exercer sua atividade econômica com a promessa aos seus clientes de que suas encomendas seriam INDEVASSÁVEIS."

Vale então acompanhar porque desses dois casos pode sair uma decisão com grandes impactos sobre o uso de criptografia no Brasil, bloqueio de apps e o funcionamento do WhatsApp por aqui. Não é pouca coisa.

Direito ao Esquecimento. Está também no STF uma ação (RE nº 1010606) que discute o chamado direito ao esquecimento. É o caso Aida Curi, em que os familiares da vítima de um famoso crime cometido nos anos 50 buscam ser indenizados pela exibição de um episódio do programa "Linha Direta", realizado pela TV Globo e dedicado às circunstâncias do crime e seu julgamento. O relator do caso é o Ministro Dias Toffoli.

Embora seja um caso que diga respeito à televisão, o Ministro convocou uma audiência pública em 2017 para debater os contornos do chamado direito ao esquecimento. Nessa discussão estiveram presentes não apenas emissoras de televisão e veículos de imprensa, mas também empresas de Internet. Tudo indica que a decisão do caso pode alcançar a operação de provedores, em especial aqueles dedicados à busca.

Inspirados na decisão do Tribunal de Justiça Europeu que concedeu a um cidadão espanhol o direito de remover resultados de pesquisa do Google que lhe fossem prejudiciais, os tribunais brasileiros vêm ordenando os provedores de busca a fazerem o mesmo. Resta saber como o STF vai se posicionar sobre o tema. Críticos do chamado direito ao esquecimento alegam que ele pode ser utilizado para apagar da Internet notícias sobre escândalos de corrupção e outros fatos que deveriam ser de conhecimento público.

Responsabilidade dos provedores. Duas ações procuram definir os contornos da responsabilidade dos provedores antes e depois da entrada em vigor do Marco Civil da Internet. O primeiro caso (RE nº 1057258), de relatoria do Ministro Luiz Fux, trata da ação movida por uma professora (chamada Aliandra) contra a Google. A professora alega ter sofrido danos morais pela criação de uma comunidade denominada "Eu odeio a Aliandra" na rede social Orkut. Será que uma vez notificada a plataforma, deveria a empresa remover o conteúdo que foi objeto de denúncia?

Com a finalidade de proteger a liberdade de expressão, o Marco Civil da Internet definiu em seu artigo 19 que os provedores apenas podem ser responsabilizados civilmente se eles não cumprirem uma ordem judicial que determine a remoção do conteúdo. Nada impede, porém, que os provedores removam um conteúdo antes do pronunciamento de um juiz, mas eles podem responder por isso. Todas essas remoções antes da análise judicial precisam estar ancoradas nos termos de uso da plataforma e é aqui que mora o debate sobre o poder das plataformas e o grau de transparência que elas precisam adotar.

Uma ação (RE nº 1037396) contesta a constitucionalidade do artigo 19 e também está para ser julgada no STF. O relator é o Ministro Dias Toffoli e ela já está pautada para julgamento, embora sem data marcada. Caso entenda que o referido artigo é inconstitucional, um dos possíveis efeitos é a geração de um cenário de insegurança jurídica no qual os provedores, uma vez notificados, buscarão remover qualquer conteúdo por receio de possível responsabilização.

Críticos do dispositivo do Marco Civil da Internet alegam que, para certos conteúdos, é preciso mesmo que a mera denúncia gere a remoção imediata do conteúdo, respondendo o provedor que falhe em atender a notificação. Até agora o texto da lei apenas provê esse sistema para conteúdos que envolvam cenas de sexo e nudez cuja veiculação não foi autorizada (artigo 21). Será que outros conteúdos também poderiam se beneficiar desse modelo de remoção expresso?

Melhor ficar de olho no que o STF pode decidir sobre esses dois casos, esclarecendo o regime de responsabilização dos provedores (antes e depois da entrada em vigor do Marco Civil). Existe até a possibilidade dos dois processos serem julgados em conjunto.

Aplicativos de transporte. Outras duas ações envolvem a legalidade do transporte individual de passageiros por meio de aplicativos. Uma ação de descumprimento fundamental (ADPF nº 449) foi ajuizada pelo Partido Social Liberal (PSL) contra lei municipal de Fortaleza que, segundo o autor, estabeleceria uma reserva de mercado aos táxis, violando os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, dentre outros. O relator é o Ministro Luiz Fux.

Em outra ação (RE nº 1054110), a Câmara Municipal de São Paulo questiona a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que declarou inconstitucional a Lei Municipal nº 16.279/15. A lei proibia a modalidade de transporte individual de passageiros por meio de aplicativos na cidade. O relator é o Ministro Luís Roberto Barroso.

As ações estão sendo julgadas em conjunto. Os dois relatores já apresentaram seus votos a favor da legalidade do transporte individual de passageiros contratado por aplicativo. O Ministro Ricardo Lewandowski pediu vista e com isso a sessão de julgamento foi suspensa.

Como visto, o futuro da Internet no Brasil passará pelas decisões do Supremo Tribunal Federal em 2019. A depender do rumo que tomar os julgamentos, podemos ter um impacto significativo nos aplicativos e recursos que usamos rotineiramente e na forma pela qual podemos exercer direitos na rede. O brasileiro cada vez mais usa a Internet para se comunicar, se informar e se divertir. Não é arriscado dizer que é através da rede que construímos uma parte importante da nossa identidade. Vamos torcer para que os Ministros também estejam cada vez mais conectados.






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