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DESENVOLVIMENTO
Sexta - 08 de Abril de 2011 às 07:19

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A história da fundação da cidade de Cuiabá nasce junto com as suas águas jorrantes ou invisíveis. Na Praça Alencastro, centro da cidade de Cuiabá, um chafariz de repuxo foi inaugurado em 1882, pelo então presidente José Maria de Alencastro.

Conforme a historiadora e jornalista Neila Barreto “O mesmo presidente que construiu a Praça Alencastro fartamente arborizada, construiu uma fonte de água dotada com repuxo, canteiros de flores, cercado por muretas e gradil confeccionado com os canos de 2000 espingardas velhas do Arsenal de Guerra, do bairro do Porto”. Ela explica que a fonte era tradicionalmente usada pela população das ruas centrais para a ocasião das festividades da lavagem do São João.

Chafariz da Praça Alencastro no detalhe, lado esquerdo do coreto, no jardim, no chão, construído em 1882, no governo de José Maria de Alencastro. Arquivo particular.

Além disso, o Plano ou projeto da Vila Real de Cuiabá datado do ano de 1777 indica sete fontes contornando a Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá: as fontes do Arnesto, Maria Corrêa, Mundéu, de Feliciana Gomes, a Manuel da Silva, a da Mandioca e a detrás da igreja.

A fonte do Arnesto estaria localizada mais ou menos onde hoje está o Morro da Luz; a de Maria Corrêa seria hoje localizada no sentido de rua da margem esquerda do córrego Prainha; a do Mundéu estaria na parte leste da atual Praça Bispo Dom José.

“As três fontes juntas, Feliciana e Manuel e a da Mandioca estavam no circuito da atual Praça do Conde de Azambuja; e a fontes atrás da igreja da Matriz ficava localizada na atual Isaac Póvoas, próxima à atual Praça Rachid Jaudy. Nos séculos XIX e XX passou a ser a fonte da Cacimba do Soldado.

“Essas sete fontes podem, porém, ter sido oito, pois onde hoje está a Santa Casa da Misericórdia pode ter existido uma oitava fonte que, na segunda metade do século XIX alimentaria o tanque do largo da Conceição”, acrescenta a historiadora. Essa possibilidade decorre de indícios gráficos do Plano da Vila e da planta de 1786.

As fontes da Vila Real de Cuiabá delimitavam a área mais densamente edificada da Vila. Durante cerca de um século e meio elas foram fundamentais, para abastecer com água potável. “Os mananciais de água potável da margem esquerda do Prainha, tornaram-se, a partir de fins do século XVIII, decisivos fornecedores de água à vila, inclusive por meio de aquedutos”.

Do ponto de vista do presidente da Província, José Maria de Alencastro, as melhorias eram enormes. “Ele fez agradecimento público a empresários por terem fornecido água à capital durante três meses, para minimizar os males da grande seca que então assolava a Província”, salienta Neila.

 O Espaço Urbano do Mundéu e da cidade

A palavra Mundéu significa armadilha de caça. No sentido figurado também pode ser qualquer casa ou coisa que ameaça cair. De acordo com a pesquisadora Neila Barreto “Havia uma música popular que se cantava antigamente cuja letra era assim, na Rua do Mundéu, tem caiaia, e uma veia de cangaia. O Mundéu era, pelo menos desde os anos de 1730, uma parte efetiva da vila, pois era um bairro da vila, localizado na bocaina, local que hoje está entre os atuais morros Seminário e Luz”, explica.

Os Chafarizes, equipamentos urbanos decisivos, sempre foram motivos de prazer e de lazer das famílias cuiabanas, mas também expressavam complexidades da sociedade escravista. “O chafariz, ao tornar a água produto de consumo coletivo e serviço urbano básico, permitia ainda o encontro de classes, criava então um lugar especial de construção da identidade, denunciando também as disputas de preferência”, argumenta a historiadora.

A construção de chafarizes e aquedutos, segundo ela, foi importante como novo sistema de abastecimento público de água potável, tomando o lugar das fontes e bicas com que coexistiram. “Ambos os sistemas resultavam da ação pública das câmaras sediadas nas vilas e cidades”, relata a pesquisadora. “Os governos municipais, locais, as Câmaras, Conselhos ou Senados, as políticas e serviços públicos, marcavam também a qualidade da vida urbana, em especial o suprimento de água potável”, ressalta Barreto. As câmaras produziam e mantinham sistemas municipais de distribuição/suprimento de água potável na América Portuguesa.

Largos e Praças

Na “Praça Real”, depois denominada largo do Palácio, hoje Praça Alencastro, a maior parte das festas oficiais e públicas eram realizadas, inclusive, durante algum tempo, touradas e cavalhadas, depois as festividades foram transferidas para o largo do Ipiranga, hoje Praça Ipiranga. A partir de 1876, esses eventos foram deslocados para o Campo d’Ourique, atual Praça Moreira Cabral. “Essa última transferência, ensaiada desde 1873, certamente expressa um dos aspectos das muitas mudanças que ocorreram no ambiente urbano da cidade de Cuiabá, no pós-guerra com o Paraguai”, analisa Neila.

O largo ou Praça do Ipiranga, na época, estava sendo incorporado à parte mais moderna e central da cidade, inclusive já contava com projetos de chafariz para seu embelezamento.

Festejos comemorativos, 15 de novembro de 1906. Cuyabá – Mattogrosso, Jardim Ipyranga, Cartão Postal: Anônimo.

O Campo d’Ourique hoje está localizado na Praça Moreira Cabral, onde já foi sede da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso e, no ano de 2005 passou a ser a sede da Câmara Municipal de Cuiabá, com o nome de Palácio Pascoal Moreira Cabral.

Quando em 1882 foram inauguradas as obras de urbanização e paisagismo na antiga Praça Real, que passou a ter o nome de Jardim Alencastro e reafirmou esse espaço urbano como espaço do poder. “Um novo tipo de atualização do poder, a tecnologia, que trazia ao centro da cidade águas potáveis do rio Cuiabá foi introduzida ali. Mas, eram no mínimo sete as fontes da Vila Real, referendando a localização do sítio urbano às seculares recomendações lusitanas quanto às águas boas”, considera a historiadora.

Uma curiosidade. Fontes de água potável da Vila Real também recebiam nomes de pessoas que possuíam propriedades localizadas em suas nascentes, ou de pessoas que por alguma razão se destacavam naquela parte do espaço urbano. “Uma delas era a Fonte de Maria Corrêa, na Paragem chamada a Prainha, em 1781, referida como Bica”.

Nos anos de 1871 e 1872, o presidente da província, José de Miranda Silva Reis, pediu a reparação dos chafarizes existentes na cidade.  “Nesse período a Câmara Municipal manda consertar a bica pública da Praça do Rosário. Em 1874, a cidade de Cuiabá passa por quatro meses de severa falta d’água potável e os chafarizes secam”, menciona a mestre em História, Neila Barreto.

Com os chafarizes secos e abandonados, em 1875 um jornal local denuncia publicamente que no chafariz da Praça de Dom José “existiam muitas cobras e sapos em putrefação”, destaca Neila.

Em 30 de novembro de 1882, começa o abastecimento de água hidráulico e “o Chafariz do Mundéu é desprezado pelos governos municipais, indo fazer parte das coisas inúteis, e passa a ser visto como uma espécie de artefato que atrapalhava a praça”, explica.

Na gestão do ex-prefeito Wilson Santos, o monumento histórico é revitalizado. Para a historiadora, a iniciativa é muito importante. “Este chafariz é uma verdadeira obra de arte, que faz reviver na memória dos cuiabanos e mato-grossenses, o cotidiano da vida da cidade de Cuiabá”, finaliza a historiadora.






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