Pesquisa revela que 43 mil crianças trabalham em Mato Grosso
Crianças vendendo doces, salgados e mercadorias nos sinaleiros e praças. Imagem que era vista no dia-a-dia dos cuiabanos, já não é tão comum. Mas isso não representa a erradicação do trabalho infantil, e sim uma mudança de realidade.
A Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2008, apontou a existência de 43 mil crianças, com idade entre 5 a 14 anos, ocupadas em todo o Mato Grosso. Dessas, 2.317 na faixa etária de 5 a 9 anos, outras 15.444 com 10 a 13 anos, e 25.876 com 14 e 15 anos.
Segundo a coordenadora do Núcleo de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalho do Adolescente (Nupeti), Gabriela de Sampaio Bragança, houve uma mudança dos locais onde estes menores trabalham, sendo comum o não recebimento de salários. "Hoje temos muitos casos dentro de empresas. Eles trabalham em lanchonetes, padarias, bares, e até em indústrias".
Situação comprovada pelo Conselho Tutelar de Cuiabá. Conforme a conselheira Isabel Duarte, a maioria das denúncias é de crianças que são vistas em bares e lanchonetes, geralmente de propriedade dos próprios pais, no período da noite e até de madrugada. "Os pais geralmente ocupam os filhos nestes locais com a justificativa de que precisam ajudar. Mas há casos em que estas crianças ficam até a madrugada e os pais não percebem que prejudicam até os estudos dos filhos".
Ela ressaltou que muitos pais questionam o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e alegam que ocupam os filhos para que estes não se tornem marginais. "Mas eles não sabem que o trabalho interfere nos estudos, e, na maioria das vezes, quem trabalha, abandona a escola".
No ano passado, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso encontrou 24 menores em indústrias cerâmicas da Capital e em Várzea Grande. A atividade é considerada uma das mais insalubres e conta na lista das piores formas de trabalho infantil (TIP).
A coordenadora do Nupeti lembra que estes empreendimentos só podem contratar maiores de 18 anos, mesmo assim, mantém menores à frente da linha de produção. "Geralmente estes menores ainda recebem bem menos que os adultos e são expostos a condições insalubres, sem equipamentos de segurança, porque estes são feitos para adultos".
Isto também foi comprovado pela pesquisa realizada pelo IBGE. Na faixa dos 5 aos 13 anos, 61% dos ocupados não possuíam qualquer rendimento e a quantidade de horas trabalhadas é expressiva. São 18,6 horas por semana. As com 14 e 15 anos chegam a ocupar 28 horas da semana em diversas atividades, muitas colocando em risco à saúde.
A mudança de cenário da exploração da mão-de-obra infantil também é comprovada nas fiscalizações. Conforme o Sistema de Informações sobre Focos de Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho e Emprego, em Mato Grosso a maioria dos menores está ocupada em estabelecimentos fechados.
No ano passado, das 66 crianças que foram flagradas desempenhando algum tipo de atividade, apenas três estavam nas ruas. As outras trabalhando em cerâmicas, serrarias, empresas de lavagem de veículos, borracharias, supermercados, e até em fazendas.
O número apresentou uma redução se comparado com 2008, quando 112 crianças foram retiradas de atividades ilegais. Neste período também houve uma diferença na ocupação destes menores. 36 deles estavam nas ruas, trabalhando como vendedores ambulantes, guardadores de carros, guardas mirins, guias turísticos e até no transporte de pessoas. O restante estava em estabelecimentos fechados como padarias, lanchonetes, novamente em cerâmicas, e uma parcela significativa na construção civil.
Copa 2014- Uma das maiores preocupações dos órgãos ligados ao Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil em Mato Grosso (Fepeti) é com a Copa do Mundo 2014, que pode fomentar a exploração da mão-de-obra infantil em Cuiabá e outras cidades do Estado. Entre elas estão Chapada dos Guimarães, Cáceres, Nobres, Poconé, Santo Antônio do Leverger e Livramento, com forte potencial turístico, e que podem servir de rota para a exploração sexual infantil.
Segundo a coordenadora Gabriela Sampaio Bragança, reuniões já estão sendo realizadas com os governos municipal e estadual para definir as ações que serão desenvolvidas antes, durante e após a Copa. "Nós sabemos que muitas famílias virão, algumas já estão vindo, motivadas pelas propagandas de grandes obras e geração de emprego em Cuiabá. Mas sabemos que nem todos conseguirão, ou por falta de qualificação ou vagas. E isso também reflete na ocupação de crianças, pois se os pais não trabalharem, terão que ajudar com as despesas em casa".
Uma das propostas, já apresentada à Agecopa, é a preferência da mão-de-obra local e também destinação legal de vagas para aprendizagem profissional nas obras que serão realizadas na cidade, além da realização de programas para capacitação dos trabalhadores. "Com isso as pessoas daqui poderão trabalhar e não ficarão desamparadas".
Outras propostas são para fortalecimento dos conselhos tutelares, centros de referência, das Delegacias de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (Deddica), para que possam atuar no combate à exploração infantil; e também a realização de campanhas em escolas, comércios, postos de combustíveis, rodovias, bares, aeroportos, canteiro de obras, dentre outros.
Outro lado - O assessor especial da presidência da Agecopa, Waldemar Gomes de Oliveira Filho, garantiu que a instituição reforçará as recomendações e orientações às empresas contratadas, bem como aos empresários locais que prestam serviços à agência, sobre a necessidade de obedecerem aos dispositivos legais já vigentes no ordenamento jurídico, quanto a destinação das vagas nas obras.
"Com a realização da Copa 2014 em Cuiabá, muitas obras serão feitas e por conseqüência, muitos empregos serão gerados direta e indiretamente. E não vamos medir esforços para que estas normas sejam obedecidas". Ele também pediu apoio da população para que denunciem a prática abusiva da exploração da mão-de-obra infantil.
Lei - A legislação brasileira proíbe qualquer tipo de trabalho para menores de 14 anos. O trabalho a partir desta idade é permitido apenas na condição de aprendiz, em atividade relacionada à qualificação profissional. Acima dos 16 anos o trabalho é autorizado desde que não seja no período da noite, em condição de perigo ou insalubridade e desde que não atrapalhe a jornada escolar. No entanto, se o jovem com mais de 16 anos não tiver carteira assinada ou estiver em situação precária, ele entra nos números de trabalho infantil e ilegal.
Denuncie - As denúncias podem ser feitas diretamente na Superintendência do Ministério do Trabalho e Emprego, que realiza plantões todos os dias; também nos Conselhos Tutelares de cada cidade ou na Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (Deddica). Outro meio é o site do Fepeti www.fepetimt.org ou o Disque 100.