“Nos sentíamos expatriados, agora somos brasileiros” A afirmação de Vanda resume o sentimento da papulação atendida no projeto coordenado pela Setas.
A execução do projeto Cidadania Indígena em Mato Grosso simbolizou o resgate da dignidade aos povos de fronteira entre Brasil e Bolívia. A ausência dos documentos pessoais impediam mais que a identificação dos chiquitanos em Vila Bela da Santíssima Trindade, não permitia que desfrutassem de direitos e até de sentir-se cidadãos. A ação realizada pela Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (Setas) por meio de parceiros, aconteceu no tradicional município mato-grossense entre os dias 25 e 27 de maio.
"A nossa história é linda, mas cheia de percalços. A Bolívia foi colônia da Espanha e o Brasil de Portugal, entre os dois países existia a Província Chiquitana. Nós somos frutos da mistura de 50 etnias indígenas realizada pelos jesuítas, nessa região. Já nos anos 60 ocorreram as delimitações da fronteira, enquanto na Bolívia nossa história era valorizada e documentada, no Brasil nós sequer existíamos, nos sentíamos expatriados", lembra Vanda Copacabana Vilas Boas, 51 anos.
A culinarista é fundadora do movimento chiquitano em Vila Bela e líder da associação Chick Bela, criada para resgatar a cultura daquela população indígena. As reuniões da associação acontecem em locais cedidos, ou em quintais embaixo dos pés de mangueira. Nas reuniões são tratadas as necessidades e prioridades dos chiquitanos, e a maior demanda até agora era a identidade.
A luta, foi pela possibilidade de identificação para famílias como a de Janaina Paulina Cambará Chamo, 39 anos e nove filhos, todos, assim como ela não possuíam registro de nascimento. A filha mais velha resolveu a situação civil há pouco tempo para casar, os demais com idades entre 15 e dois anos, e a mãe, emitiram certidão de nascimento, documento de identidade e CPF durante o projeto em Vila Bela.
“Era difícil não ter documento, mas não tinha solução”, resume Janaína a qual a alfabetização permitiu pouco além de assinar o próprio nome.Como os pais de Janaína possuem certidão de nascimento brasileira, ela e os filhos residentes no Bairro Jardim Aeroporto em Vila Bela conseguiram solicitar todos os documentos no local. Sem que fosse necessária a judicialização e já foram pra casa com a certidão de nascimento.
Diferente da mãe, os filhos de Janaína frequentam a escola, mas apenas como ouvintes pela ausência dos documentos. Uma das realizadoras do projeto, a prefeitura de Vila Bela tem interesse direto que a população chiquitana seja identificada.
"Para a prefeitura a documentação básica cria soluções", sintetiza a secretária de Assistência Social Daniele Gonçalves. A secretária explica que quando o indígena é economicamente ativo e funcional, muitas vezes não percebe a falta que o documento faz. Porém, os casos mais preocupantes são de pessoas no início ou fim da vida.
Daniele Gonçalves conta que existem no município muitos casos de abandono de idosos, a maioria nunca contribuiu com a previdência pois não tem qualquer documento, então não terá uma renda para o final da vida. Já em relação as crianças, as escolas as recebem, mas são registradas apenas como ouvintes, elas não constam no censo escolar. Em consequência, menos professores são atribuídos para as unidades, que também precisa trabalhar com um número menor do que a demanda de merenda, transporte escolar e até uniformes, pois oficialmente, as crianças não existem.
Cultura
A associação Chick Bela criada em 2014, agrega pessoas de todas as idades, e realiza atividade de resgate da cultura chiquitana . Como o ensaio da dança, a chovena e taquirari, misturadas com outros estilos da América Latina, como a polka.
As reuniões e apresentações artísticas acontecem durante os aniversários dos mais velhos e outras datas como o dia de Santa Ana, celebrado em 27 de julho, padroeira dos chiqitanos, herança da colonização jesuíta. Nesses momentos são consumidas a patasca (a base de milho com porco), massaco (banana ou mandioca). O grupo também se apresenta durante a Festança realizada em julho.
Outra celebração tradicional dos chiquitanos é o Carnavalito, uma festa religiosa que acontece no primeiro domingo da Quaresma. A festa acontece nas comunidades chiquitanas, durante o dia todo a população constrói e depois malha o Judas, para no fim do dia queimá-lo ou afogá-lo.
"Com o Judas, vão embora todos os sentimentos ruins, e o ano começa com energias renovadas", explica Vanda