Mulheres desafiam preconceitos e conquistam espaço na segurança pública
O ano era 1990 e Vania Pereira de Souza, 19 anos, foi aprovada no concurso público estadual para Agente Carcerária, função que anos depois passou a ser conhecida como de Agente Penitenciária. Nem mesmo o desafio de enfrentar o primeiro concurso público foi maior que o preconceito no início da profissão.
Segundo ela, os ataques vinham de dentro e fora do ambiente de trabalho. A todo tempo tinha que provar que era capaz de fazer as mesmas funções exercidas pelos homens, seja na revista, tranca, torre de monitoramento, manuseio de arma pesada, dentre outros.
A servidora lembra que ela e as mulheres aprovadas no mesmo ano foram as precursoras na carreira penal. “Quando comecei a trabalhar os servidores eram majoritariamente do público masculino. Algumas mulheres que atuavam à época desempenhavam funções administrativas. Ao chegar neste universo, primeiro eu tive que provar que podia exercer a carreira policial e depois precisei vencer os olhares de reprovação da sociedade que não via bem as mulheres que faziam plantão”.
A primeira lotação da Vania foi em uma unidade penal feminina no município de Santo Antônio de Leverger (a 36 km de Cuiabá). De lá para cá, outras funções foram desempenhadas pela servidora, que atualmente trabalha no setor de confecção de carteirinhas para visitas do Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC).
Prestes a completar 30 anos na função, a servidora se orgulha em dizer que o cargo de Agente Penitenciária foi seu primeiro e único emprego. “Eu olho para traz e me sinto satisfeita por este tempo de serviço e por hoje notar que nós, mulheres, estamos em todas as áreas de atuação. Apesar de ainda existir preconceito, muita coisa já mudou para melhor”, enfatiza.
Vânia, hoje com 48 anos, é a filha mais velha e tem outros quatro irmãos. Sem a presença paterna desde muito cedo, a menina teve que iniciar as atividades laborais aos 13 anos para ajudar a família. Apesar das dificuldades que a vida apresentou, Vânia sempre teve o apoio da mãe e hoje afirma que é capaz e que venceu.
Ao contrário do que muitos possam pensar, em dezembro deste ano, a servidora entra com pedido de aposentadoria, mas ao invés de descansar, já pensa em um terceiro ofício. “Não quero parar de trabalhar, mas quero fazer outra coisa. Vou aproveitar o tempo para aprender e poder ficar mais com minha mãe, meu esposo minhas duas filhas”.
Acolhimento no Socioeducativo
Há 25 anos, Márcia Ribeiro Leite atua no Sistema Socioeducativo de Mato Grosso. Para ela, a palavra que define sua função é amor. “Eu vejo que quando esses adolescentes chegam à unidade, têm uma segunda chance na vida. Então, eu dedico meu tempo e meu conhecimento para ajuda-los”.
Uma das minhas satisfações no desempenho do trabalho é quando ela encontra alguém que já passou pelo Socioeducativo e hoje tem uma vida pautada na família e no trabalho. “Esses dias fui abastecer meu carro e um homem ficou me olhando. Para minha surpresa, ele chegou até a mim e disse: ‘Oi, tia Márcia’. Ele era o frentista e me mostrou empolgado uma aliança de casamento. De imediato, lembrei dele e fiquei feliz em vê-lo em outra situação”, afirma.
Segundo Márcia, quando o adolescente chega na unidade, ela fixa o olhar no ser-humano e não no delito cometido. “Aqui ele recebe atenção e cuidado que às vezes ele não teve lá fora. Buscamos desenvolver atividades de educação, esporte e capacitação para proporcionar uma nova chance. Há muitos casos que os adolescentes vêm parar aqui porque não têm estrutura familiar. Então, buscamos saber sobre os vínculos familiares e fazemos o contato”.
Com formação em pedagogia, atualmente a servidora atua no setor de saúde do Complexo Pomeri, em Cuiabá. Natural de Campo Grande, mas cuiabana de coração, Márcia, que é casada e tem uma filha adolescente, disse que o trabalho é árduo, mas com o olhar materno ela consegue se doar para os internos.
“A mulher tem este dom de ouvir, de ajudar. Temos esse lado de mãe e amiga e acho que estas características são fundamentais para quem trabalha com adolescentes. Recebemos certa vez uma menina que passou por três adoções e em todas, foi devolvida. Com esta adolescente temos que ter um olhar mais humano e da nossa relação criamos vínculos que fazem com que, mesmo após terem cumprido a medida socioeducativa, eles voltem para nos visitar”.