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Domingo - 24 de Setembro de 2017 às 23:58

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Gonçalo Antunes de Barros Neto escreve aos domingos em A Gazeta
Gonçalo Antunes de Barros Neto escreve aos domingos em A Gazeta

O que há de terrível na morte é que transforma a vida em destino (Malraux). Do fenômeno irreversível, vimos que dela não se chamou para o consenso. Castigo para a humildade, necessário referencial de purificação ou reprimenda do Ser primeiro, infinito? Se nascer é começar a morrer, por que nascemos?

A religião explica muitas coisas. Nesse campo do absoluto, não há reflexão possível. Somente fé. Crer não basta para a inquietação filosófica. Há um fato, um termo "ad quem", e por quê? O caminho do pecado na sua explicação nos faz ter raciocínio circular, contraditório.

O passado é fundamentado no presente. Os mortos que não puderam ser salvos e transportados a bordo do passado concreto de um sobrevivente não são passados; eles e seus passados estão aniquilados (Sartre). É o dilema do esquecimento para os ausentes, se no presente, nos sobreviventes, não viverem.

Para Epicuro, uma das funções fundamentais da filosofia é libertar os homens do temor da morte. A matéria é eterna, quem morre é o espírito, pois, o material se transformará. Quem come será comido. Para ele, a própria dor é provisória, tudo passa.

Não sei se Epicuro ajudou a explicar tal estado de aflição, ou pôs axiomas irreversíveis e sem rigor científico na dialética sobre a morte. Mas ele e Sartre acabaram por estabelecer determinada causa, ainda que não intencionalmente, da busca pela glória, pela imortalidade através dos legados. "Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos" (Cora Coralina).

Novamente, Sartre: "É, por fim, o que aterroriza o crente quando ele constata com pavor que, no momento da morte, a sorte está lançada, já não resta uma só carta a jogar. A morte nos reúne conosco mesmo, assim como a eternidade nos transformou em nós mesmos. No momento da morte, somos, ou seja, somos sem defesa frente aos juízos do próximo... No extremo limite, no instante infinitesimal de minha morte, não serei mais que meu passado. Somente ele me definirá." (O Ser e o Nada).

O que pensou e realizou, define o moribundo. Assumindo o seu grilhão, desempenhou o que lhe bastava. Na maioria das vezes, encarou o seu presente, assim como a própria Fortuna (deusa romana da sorte), com a pureza das crianças e a firmeza dos que fazem da vida, o próprio destino.

Caminhando, a passos certos, sem volta, a morte se coloca entre o Ser e o não Ser. Em seu instante, o que há senão a consciência sem a prisão de então? Libertou-se pela desintegração do cérebro, seu carrasco; corpo e consciência em situações adversas, apesar de terem ocupado o mesmo espaço/tempo.

A consciência carrega a imortalidade como testemunho de superioridade. É dela, agora, o sustentáculo de um meta-existir, pois, se da perfeição veio, para a perfeição retorna, com seus atributos iguais, não importando se amorfa ou geometricamente sem definição, mas infinita.

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto escreve aos domingos em A Gazeta (email: antunesdebarros@hotmail.com).



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