GONÇALO DE BARROS
A varanda, a calçada, a rua...
Na rua ou pela rua o roliçar de tristes subjetividades faz nascer o doce sabor do que antes se encerrava engaiolado; liberdade como condição da dignidade.
Vivemos pela rua, ninguém vive para a clausura.
Ela nos dá aquilo que nenhuma outra razão poderia: O "a priori" universal e necessário ungido às resenhas das conversas de botequim ou das calçadas.
A rua tem base científica, se arrocha em enlatado se a ela acorre o barnabé da camisa de força, ou força sem camisa, que a própria ignorância não o faz necessário, apesar de universal.
Quem do arenoso de barro e alvenaria se fez criador ou mesmo criatura? Não se racionaliza aos opressores de si próprios, nunca conhecerão a rua, jamais. Que concessão havereis de dar aos ilustres domados pelo chapéu de telha ou de zinco, que ignoram o azul do dia ou as estrelas da noite?
Da geração dos HDs, os espinhos são teclados. Que saudade quando do universal era a água oxigenada dos conselhos a curar o que feriu pelo salgado das palavras, muito mais humano, necessariamente humano.
Kant errou: o universal e necessário, em sendo "a priori", obedece mais à ordem empírica que racional, não há equilíbrio suficiente para a representação do que ainda não é.
A rua é soberana; nem sempre racional, mas universal e necessária para o que se apreende; representação inicial de ser infindo.
Não adianta se do cheiro da naftalina acadêmica o jaleco não se libertar.
O ganhar a rua como antibiótico a reagir sobre bactérias encardidas, que não prescindem do novo, a inspirar-lhe por renovadas inquietações, é libertação.
Como bem asseverou João do Rio, "sem o consentimento da rua não passam os sábios, e os charlatões, que a lisonjeiam lhe resumem a banalidade, são da primeira ocasião desfeitos e soprados como bolas de sabão. A rua é a eterna imagem da ingenuidade... A rua faz as celebridades e as revoltas...
É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível... " (A Alma Encantadora das Ruas).
Essas engenhocas a produzir conexão eletrônica não conhecerão, ainda que nas esquinas o virtual se embole com a realidade, a verdadeira rua. A esta se reserva o direito de seletividade. Quantos litros de cachaça boa e "conversa fora" a mais se o virtual cedesse à liberdade? O sol e a lua, em luminosas estrelas, resplandeceriam.
Tudo seria novidade, de novéis em novéis até nas universidades. Quantos cientistas se apaixonariam e deixariam de se preocupar com os exemplos de Gettier a desmascarar a tal Teoria Clássica do Conhecimento.
Tudo seria algo mais simples que crença verdadeira e justificada. Quem sabe somente ser e essência observada na dinâmica de tempo e espaço? Como a simplicidade nos faz falta.
É por aí...
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é juiz de Direito em Cuiabá.
antunesdebarros@hotmail.co