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Quinta - 22 de Maio de 2014 às 06:26
Por: Lourembergue Alves

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A consolidação do viver democrático se dá com a ampliação do espaço público, que é plural na sua essência. Esta parece ser a grande questão da contemporaneidade. Mas, vale acrescentar, de difícil realização. Pois, de maneira alguma, o dito espaço se amplia diante da tirania da individualidade, a qual ganha corpo e se intensifica com a predominância da vontade particular em detrimento dos desejos coletivos, a exemplo do uso das calçadas como extensão das residências e de estabelecimentos comerciais – em seus mais variados tipos e características -, quer sejam em forma de estacionamentos ou de locais para a distribuição de mais e mais cadeiras e mesas, com o fim único de acomodar o maior número de clientes. A ambição, aliás, é incapaz de visar o bem público, ainda que os vícios privados possam trazer benefícios públicos, no dizer de Mandeville, e, de fato produzem, porém sem o necessitar-se do apossamento de áreas públicas.

Este apossar-se, no entanto, é bastante frequente no país, e em especial por aqui. Processo que se dá sempre com a ajuda preciosa de um agente público, institucionalizando-o, além de garantir a sua permanência cotidiana e, em cada ação nessa direção, escancara o seu enraizamento já secular. Tanto que é incomum alguém reclamar do tal apossamento, assim como pode parecer estranho para uma ou outra pessoa – pouco dada à importância da vida democrática - a utilização desta coluna para fazer eco ao grito contra o uso inadequado das calçadas. Este uso, diferentemente daquele, cerceia a liberdade e agride os pedestres, pois lhes subtrai direitos. Tem igual efeito a ação de usurpação de áreas públicas. Isso porque a referida ação também diminui o patrimônio de todos.

Assim, áreas, que deveriam ter outros fins, são destinadas para usufruto individual. Inclusive com construções que podem ser dirigidas ao público, porém tocadas pela iniciativa privada, a exemplo de supermercados, de postos de gasolina e de quiosques. O negócio é tão rentável que atravessa décadas, sem que o Estado ou a cidade cobre a devolução do terreno, ou o pagamento dele. E olhe que o governante tem, como uma de suas obrigações, zelar pelo patrimônio público. Nada, porém, faz para impedir que este tipo de usurpação aconteça. Talvez, com vistas à arrecadação de sua campanha ou com a intenção de conquistar votos. E, quando ele próprio ou um de seus sucessores resolve intervir, até por conta de uma dada obra pública, é levado a recorrer ao tribunal, com o desembolso - pela cidade, pelo Estado - de altas quantias a quem, antes, se apossou de uma área que não era sua, mas pertencia ao município e/ou à unidade. Vive-se, aliás, um exemplo disso agora.

Percebe-se, então, o estrago duplo. Estrago que deveria ser evitado, mas não foi, em razão de uma teia de compadrios, inclusive com o uso de “testa de ferro”. A mesma que permite o levantamento de muros em ruas, cujo objetivo é dificultar a passagem de ônibus pela redondeza, e a posse de pedaços de praças. O que reduz o espaço público. Até porque o “nós” não se produz da somatória do “eu”. O reconhecimento disso, nada tem a ver com demagogia, mas de bom senso e de visão política.

Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.  



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