Juacy da Silva e Aline Grasielli Monçale
DIA INTERNACIONAL DA RECICLAGEM
“Às próximas gerações poderíamos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo. O ritmo do consumo, desperdício e alteração do meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta, que o estilo de vida atual – por ser insustentável – só pode desembocar em catástrofes”; “A cultura consumista, que dá prioridade ao curto prazo e aos interesses privados, pode favorecer análises demasiadas rápidas ou consentir a ocultação de informações”; “Dado que o mercado tende a criar um mecanismo consumista compulsivo para vender os seus produtos, as pessoas acabam por ser arrastadas pelo turbilhão de compras e gastos supérfluos. O consumismo obsessivo é o reflexo subjetivo do paradigma tecnocrático”. Papa Francisco, Encíclica Laudato Si, 161,184 e 202.
Tanto a ONU, através de suas Agências Especializadas, como a OMS – Organização Mundial da Saúde, a UNESCO – Organização responsável pela educação, a cultura e o desenvolvimento Científico; a UNICEF – Agência dedicada aos cuidados com as crianças e adolescentes, a FAO – organização voltada para a Agricultura, nutrição e segurança alimentar ou a UNEP – braço da ONU voltada para as questões da ecologia, meio ambiente e tantas outras agências; bem como os países (Estados Nacionais, estados federados ou municípios), ou até mesmo Entidades da Sociedade Civil Organizada, costumam criar dias especiais para que sejam momentos celebrativos ou datas para despertar a consciência individual e coletiva quanto à importância de pensarmos mais criticamente sobre aspectos de nossa realidade local, nacional, internacional ou planetária.
Tendo em vista que a partir de meados do século 18, em torno de 1750, alguns países europeus, com destaque para a Inglaterra e a França, depois seguidos por Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e também logo a seguir o mesmo aconteceu nos Estados Unidos, no Japão e outros mais que promoveram uma mudança radical de paradigmas em seus sistemas produtivos, com o advento da máquina a vapor, a energia elétrica e a industrialização em larga escala, processo este que se prolongou até aproximadamente 1.850. Esta fase da história econômica, política e social passou a ser denominada de primeira revolução industrial.
Este processo de industrialização provocou algumas mudanças significativas, tais como, demográficas, culturais, políticas, econômicas e nas relações sociais, além de promoverem ou estimularem uma rápida concentração de renda, riqueza e poder nas mãos de uma “nova classe social”, denominada como capitalistas ou burguesia.
Outro aspecto relacionado com esta primeira revolução industrial foi a expansão colonialista, onde os países europeus em maior grau e os Estados Unidos em menor grau, pressionados pela necessidade de matérias primas para alimentar a indústria nascente e que se consolidava, promoveram uma verdadeira rapinagem colonialista e imperialista, principalmente na África, na Ásia e na América Latina, deixando um rastro de degradação ambiental e conflitos internos nessas regiões.
Outro aspecto relacionado com esta primeira revolução industrial foram as migrações tanto internas, o êxodo rural intenso, quanto entre países, disto resultando também o crescimento acelerado do processo de urbanização, a eclosão de grandes conflitos sociais relacionados com o fator trabalho, o surgimento de grandes massas de desempregados nas cidades, agravadas por conflitos ideológicos, na esteira do surgimento dos movimentos sindicais, políticos e ideológicos.
Também não podemos esquecer que, graças a evolução da ciência e da tecnologia, apesar das precárias condições de vida nas cidades, houve também uma verdadeira revolução demográfica, com a redução significativa dos índices de mortalidade infantil e em geral de um lado e o aumento dos índices de fertilidade/natalidade de outro, disto resultando uma verdadeira explosão populacional, cujos efeitos permanecem até na atualidade.
De forma semelhante, tendo em vista a lógica da acumulação capitalista que exige o aumento da demanda, para fomentar o aumento da produção e, como consequência aumentar o lucro dos donos dos meios de produção (os capitalistas ou barões do sistema produtivo rural), era preciso “distribuir” um pouco a renda, para que as grandes massas pudessem consumir mais e mais os bens e produtos, um pouco acima da mera subsistência, no bojo do qual ocorreu também a libertação dos escravos por pressões econômicas deste processo de industrialização e modernização e, assim, girar a roda da economia, mesmo que neste processo também grandes massas de pobres, miseráveis e famintos pudessem acabar ficando `a margem deste processo, mas que, por ironia “do destino”, iriam alimentar o “exército” de desempregados, subempregados ou totalmente excluídos.
Assim, o crescimento populacional, aliado ao crescimento urbano e ao aumento da renda e dos consumidores, o resultado não poderia ser outro a não ser a geração de mais e mais resíduos sólidos/lixo, que por sua vez geram gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Fruto deste processo de aumento constante tanto da produção de resíduos sólidos/lixo per capita ou no total produzido pelos diferentes países, surgiu, tem aumentado e continua até os dias de hoje, um grande desafio para o mundo todo, em todos os países, sem exceção, ou seja, como vamos “lidar” com o problema gravíssimo dos resíduos sólidos/lixo?
Este aumento acelerado da produção/geração dos resíduos sólidos/lixo, já que é fruto do consumismo, do desperdício e da falta de políticas públicas que possam equacionar tal desafio/problema, tem contribuído sobremaneira para a degradação de todos os biomas e ecossistemas ao redor do mundo, afetando e até destruindo/matando os cursos d’água, tanto as bacias hidrográficas, quanto os rios, os lagos, lagoas e até mesmo os mares e oceanos.
O planeta terra, os mares, os cursos d’água e imensas áreas urbanas estão se transformando em verdadeiros lixões, lixeiras da humanidade, tornando a vida de todas as espécies vegetais e animais, inclusive a vida humana, extremamente difíceis ou até mesmo em processo de desaparecimento.
Ano após ano, décadas após décadas, apesar de milhares de estudos e tratados internacionais terem sido criados, aprovados e recebido a adesão de, praticamente, todos os países, o mundo caminha de forma acelerada para ir aumentando cada vez mais a quantidade de lixo produzida.
Cabe destacar que a produção/geração de resíduos sólidos está relacionada diretamente com os quatro fatores mais importantes: aumento da renda per capita, aumento da população urbana, aumento do consumismo e do desperdício.
A partir dos anos setenta do século passado, principalmente a partir de 1972 (primeira conferência internacional do desenvolvimento e meio ambiente), da segunda conferência que foi a ECO-92 no Rio de Janeiro, da Rio +10, também no Rio de Janeiro, a “Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável,” onde a questão da sustentabilidade passa a ser um novo paradigma que deveria ser abraçado por todos os países, pelo sistema produtivo, pelas organizações governamentais e não governamentais e, claro, pela população, o que só tem acontecido de forma extremamente tímida, cujos efeitos no contexto global são muito insignificantes.
É neste contexto que a ideia e as práticas da reciclagem começam a ganhar destaque, mas que, mesmo já tendo se passado, duas décadas o avanço tanto da reciclagem quanto da economia circular ainda não tem tido o impacto que se esperava em termos de reduzir a produção de resíduos sólidos, reduzir o consumismo e o desperdício e dar vida mais longa aos produtos e a reduzir o impacto que a procura/demanda por matérias primas tem sobre o meio ambiente.
Existe uma corrente de pensamento que considera a reciclagem apenas um paliativo, pois o que se precisa é ir mais a fundo, ou seja, a troca radical de paradigmas sobre os quais os sistemas econômicos e produtivos se organizam e exploram tanto os consumidores, através de técnicas modernas de propaganda e marketing, incentivando o aumento não apenas do consumo, mas sim do consumismo, ou seja, levando as pessoas a consumirem além das necessidades básicas e essenciais, mas sim uma verdadeira doença que é a compulsão por comprar, adquirir e desperdiçar.
Além disso, é importante que o mundo abandone as fontes de energia sujas, baseadas em combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), substituindo-as por fontes limpas, renováveis e não poluidoras.
Por exemplo, o mundo está sofrendo e correndo o risco de extermínio de várias espécies de animais, inclusive animais marinhos e também dos seres humanos pela quantidade de lixo em geral, e dos plásticos em particular. Vivemos em uma sociedade de plásticos, que a cada dia poluem mais e degradam mais o meio ambiente e destroem os biomas.
As cidades mundo afora, com raríssimas exceções não tem conseguido resolver a questão do lixo/resíduos sólidos, apesar de inúmeras leis, regulamentos e ações pontuais e tímidas por parte dos governantes.
Além da questão dos plásticos, tendo em vista a revolução científica, tecnológica com o surgimento do mundo digital, atualmente o mundo todo enfrenta mais um problema grave em relação `a questão dos resíduos sólidos que é o chamado “lixo eletrônico”, que ao ser descartado, por conter inúmeros produtos químicos e componentes altamente tóxico tem representado um grave perigo e enorme risco tanto para o meio ambiente quanto para a saúde e a vida humana quanto de outros animais e a biodiversidade vegetal.
A partir dos anos setenta do século passado o movimento de reciclagem vem ganhando força, mas de maneira muito tênue, a média mundial de reciclagem do lixo/resíduos sólidos gerado é em torno de apenas 20%, sendo que diversos países, como o Brasil, que é o quarto, quinto ou sexto pais do mundo que mais produz rejeitos/resíduos sólidos/lixo (dependendo da fonte de pesquisa os números são diferentes), não passa de 2%, 3% ou no máximo 5%.
Até recentemente havia uma prática internacional em que os países da Europa, Estados Unidos e alguns países asiáticos como Japão, Coreia do Sul e outros mais, exportavam lixo em grandes containers, navios para países pobres da Ásia e África, principalmente, deslocando seus problemas em relação ao acúmulo de lixo para poluírem e afetarem a saúde da população daqueles países.
Em sua origem, o movimento de reciclagem estava baseado em três “Rs”: REDUZIR (os produtos que são consumidos pelas famílias/pessoas e também pelo sistema produtivo); RE-USAR (ou seja evitar descartar tudo e dar nova utilidade aos produtos) e RECICLAR ( separar e transformar resíduos sólidos em novos produtos).
Hodiernamente, foram ou estão sendo incluídos mais três “Rs”, antes desses que mencionamos e que são: REPENSAR (ou seja, antes de adquirir algum produto, seja a população/famílias/pessoas perguntarmos “será que precisamos realmente de comprar/adquirir mais produtos?”; RESISTIR – como podemos fugir dos apelas consumistas estimulados pelo setor produtivo (indústria e comércio, principalmente, via propaganda subliminar e o marketing do consumismo?); e RECUSAR – precisamos recusar os dois “Rs”, anteriores, para realmente atingirmos um dos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU que é a PRODUÇÃO e CONSUMO RESPONSÁVEIS e também sustentáveis.
Se conseguirmos Repensar nossos hábitos de consumo e nossa ânsia por consumir que é traduzido por CONSUMISMO, se conseguirmos RESISTIR e RECUSAR os apelos e manipulação subliminar para que consumamos cada vez mais, visando alimentar uma cadeira produtiva que não tem respeito e nem zelo seja pelo meio ambiente, seja pelos trabalhadores, seja pelos consumidores, com certeza, talvez, em um futuro muito longínquo, antes que o Planeta Terra seja destruído, possamos deixar de falar e praticar a reciclagem.
A ONU em estudo recente e, em parceria com o Banco Mundial e diversas outras organizações nacionais e internacionais alertou o mundo, os países, a população em geral que estamos em uma corrida contra o tempo e que se não for enfrentada com seriedade, a produção de resíduos sólidos/lixo no mundo vai aumentar em 350% até o ano de 2050; tendo como base a situação deste problema em 2020, quando o crescimento da população mundial será de no máximo 24,3%, passando de 7,8 bilhões de habitantes em 2020 para 9,7 bilhões de habitantes m 2050.
Este será o fator básico para conter ou apenas mitigar os efeitos catastróficos e desastrosos acarretados pelas mudanças climáticas em curso e que muita gente e inúmeros países simplesmente não acreditam ou fingem acreditar, mas nada fazer para equacioná-lo.
Com o aumento populacional de um lado, o aumento da renda per capita de outro e o aumento acelerado do consumismo e do desperdício de tudo o que é produzido, inclusive alimentos; estamos entrando cada vez mais em uma economia do descarte e da obsolescência prematura, que aumenta a produção de resíduos sólidos/lixo e com os baixos índices de reciclagem ainda vigentes, o cenário mundial e da maioria dos países, inclusive do Brasil, em relação à produção e destinação do lixo, não é nada animador.
Esta é a reflexão que precisamos fazer de forma bem profunda, não apenas neste DIA INTERNACIONAL DA RECICLAGEM, 17 de maio de 2023; mas de forma urgente todos os dias e aumentarmos a pressão para a mudança profunda dos hábitos de consumo tanto das pessoas quanto do sistema produtivo em geral, sem isso estamos caminhando de forma acelerada para um desastre ambiental e humano sem precedentes na história do planeta terra!