O Sequestro do Orçamento: quando o Legislativo vira Executivo no Brasil
Em um país onde a separação de poderes deveria garantir equilíbrio, transparência e eficiência na aplicação dos recursos públicos, as chamadas “emendas Pix” expõem uma distorção preocupante: o poder orçamentário do Executivo, essencial para planejar políticas públicas de longo prazo, está sendo fragmentado e privatizado por interesses paroquiais de parlamentares.
O apelido “Pix” não é à toa. Assim como o sistema bancário instantâneo, as transferências ocorrem de forma rápida, direta e sem burocracia — mas, diferentemente do Pix bancário, não há transparência sobre quem apertou o botão, para onde o dinheiro foi de fato e qual benefício público foi gerado. As operações da Polícia Federal tem levantado a direção do caminho para onde parte desses recursos tem caminhado.
Criadas sob o argumento de descentralizar recursos e fortalecer a presença do Estado nos municípios, as emendas parlamentares — especialmente as de relator, base do Orçamento Secreto — se transformaram em um balcão de negócios políticos. Parlamentares passaram a controlar bilhões de reais, sem qualquer planejamento integrado com as políticas nacionais de saúde, educação, infraestrutura ou segurança. E, muitas vezes, o dinheiro vai parar em cidades escolhidas não pela urgência social, mas pela conveniência eleitoral.
Essa lógica perverte o papel do Legislativo. Em vez de fiscalizar o Executivo e aperfeiçoar o Orçamento por meio de emendas pontuais e justificadas, parlamentares se tornaram executores informais, definindo obras, repasses e até escolhendo as construtoras ou fornecedores locais — prática que abre brechas para corrupção, desperdício e favorecimento de apadrinhados.
A situação beira o absurdo: prefeitos e governadores, que respondem legalmente pela execução orçamentária, se veem obrigados a operar como meros despachantes das vontades de deputados e senadores. Para garantir maioria no Congresso, presidente muitas vezes trocam fatias cada vez maiores do Orçamento por apoio político, amarrando de vez a autonomia do Executivo.
Agora, imagine se as assembleias estaduais e câmaras de vereadores adotassem o mesmo modelo: cada deputado estadual ou vereador determinaria o destino de fatias significativas do orçamento local. O resultado seria uma desorganização fiscal crônica, obras eleitoreiras espalhadas, recursos pulverizados, prefeitos e governadores reféns, e a sociedade, mais uma vez, refém da velha política do favor.
Essa captura orçamentária esvazia a capacidade do Estado de planejar políticas públicas de impacto. Não há como construir escolas, hospitais, saneamento básico ou infraestrutura estratégica com um orçamento fatiado em pequenos feudos eleitoreiros, que mudam de dono a cada eleição.
A resposta passa por restabelecer limites constitucionais claros, garantindo que o Legislativo possa indicar prioridades, mas não assumir o papel de executor. É preciso ampliar a transparência — detalhando quem indicou cada centavo, para onde foi, qual contrato foi firmado e qual resultado concreto foi entregue. E mais: é urgente que a sociedade cobre dos seus representantes coerência entre o discurso de moralidade e a prática de loteamento do dinheiro público.
Sem isso, o Brasil continuará preso à armadilha de governantes com poder nominal, mas sem controle real sobre o orçamento que deveriam usar para melhorar a vida da população.
Emendas Pix não são atalhos para atender quem mais precisa — são atalhos para a manutenção de velhos vícios. E enquanto o dinheiro público for tratado como moeda de troca, quem paga a conta somos todos nós.
Davi de Paula Dias é Jornalista em Mato Grosso. @ davidepaulaimprensa