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Quinta - 16 de Janeiro de 2014 às 23:05
Por: José de Paiva Netto

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José de Paiva Netto, jornalista, radialista e escritor
José de Paiva Netto, jornalista, radialista e escritor

A inevitável miscigenação humana constitui-se num fato de proporções globais. Vários estudiosos afirmam que, cada vez mais, diminui no planeta o conceito de raça pura. Um exemplo dessa constatação vem dos Estados Unidos da América, que criaram um item no seu censo para contemplar os mestiços que compõem significativa parcela da população norte-americana. Por isso, a pergunta que lancei no artigo “O Abolicionista Divino”, na página 149 de meu livro Crônicas & Entrevistas. Desde a monera, quem não é miscigenado neste mundo? Aqui no Brasil, essa realidade não é outra: a Folha de S.Paulo publicou, em abril de 2000, o resultado de pesquisas feitas a partir do DNA, abrangendo 200 homens e mulheres brancos, de diferentes regiões e origens. O estudo concluiu que, num grupo de 100 pessoas brancas, somente 39 têm exclusiva linhagem europeia. Os demais indivíduos carregam a marca da miscigenação: 33% de índios e 28% de africanos.

Mesmo a Europa teve, em várias ocasiões de sua história, toda ordem de imigrantes, escravos e invasores a exemplo dos hunos. Povo da Ásia Central, eles invadiram o continente sob a liderança de Átila, em meados do Século V, infligindo graves derrotas e submetendo a tributo os imperadores de Roma e de Constantinopla. Também devastaram a Gália e atravessaram a Germânia, região onde surgiria, séculos depois, Hitler (1889-1945), que, baseado na falsa ideia de raça ariana pura, chacinou milhões de judeus, ciganos, eslavos e deficientes. Teriam ficado os invasores dos territórios germânicos em estado permanente de castidade? Ou deixaram lá a marca étnica em decorrência do cruzamento inter-racial, após tantos séculos diluído? Lembremo-nos da famosa “mancha mongólica”.

Vai ficar difícil abrir mão da Humanidade, como parece que alguns radicalmente pretendiam fazer com a nova globalização: mais produtos e menos operários produzindo.

Marcante exemplo é o da União Europeia, com seus arroubos de xenofobia, menos para turistas... Ela está constatando a contingência de ter de “importar” gente, ainda que, em certos casos, por curtos períodos, para realizar serviços de que os seus nativos dolicocéfalos não mais querem saber e para suprir as necessidades de uma população que está envelhecendo. Alguns já vivem arrepiados com os “perigos” da mistura étnica. Contudo, empresários e políticos já sentem como fatalidade histórica a presença dos “estrangeiros”, principalmente os de pele diversa.

Não há como indefinidamente impedir que revoluções sociais e raciais dessa grandeza se realizem.

Na atualidade, de certa forma vemos repetir-se, em direção inversa, mas talvez de maneira mais dolorosa, o fenômeno da imigração. Antes a onda era da Europa e da Ásia para a América. Resumindo: italianos, japoneses, alemães, judeus, árabes, ibéricos, para a do Norte e a do Sul, somando-se irlandeses e chineses para a Setentrional. E não desembarcaram aqui e lá, na imensa maioria, como senhores, porém como servidores braçais. Pelo sacrifício e suado labor, subiram ao topo.

Recordo-me de uma afirmação do filósofo do Positivismo, Augusto Comte (1798-1857), cujo pensamento tanta influência exerceu sobre os fundadores da República Brasileira, a começar por Benjamin Constant (1836-1891): “O Homem se agita e a Humanidade o conduz”. É isso aí.

Ufa!

Hoje, os imigrantes, legais ou não, também largam seus países, deixando tradições e amores para trás, por necessidade premente. No caso norte-americano, prossegue a chegada ininterrupta, superando as barreiras que lhes são antepostas, de “hispânicos”, em grande quantidade mexicanos, que, com o passar do tempo, estão criando status. Milhões já podem votar. E o número não é pequeno, e não cessa de crescer, até mesmo por força de sua alta taxa de natalidade. Há, igualmente, a presença dos cubanos, em Miami. Tornaram-se, por lá, uma força ponderável. Em Nova York, conforme as notícias divulgadas em 2000, 40% de seus habitantes vieram de 167 países e falam 116 idiomas. Ufa! Realmente, o criador do Comtismo estava certo.

“O mundo irá misturar-se como um oceano”

Durante uma fase de minha infância, estudei no Colégio São Francisco de Sales, da ordem de Dom Bosco. Todavia, o tempo foi bastante para tornar-me um dos muitos admiradores do respeitado educador de Turim. Erigiu uma pedagogia com louvável benefício para os seus biricchini, jovens largados na vida em uma Itália pobre, que se unificava sob a batuta da astúcia diplomática (será redundância?) do Conde de Cavour (1810-1861), da pertinácia de Mazzini (1805-1872), do espírito aguerrido de Garibaldi (1807-1882).

Dizia o célebre taumaturgo nascido em Becchi:

— Um grandioso acontecimento se está preparando no céu para fazer pasmar as gentes. (...) Far-se-á uma grande reforma entre todas as nações, e o mundo irá misturar-se como um oceano.

Para os que me leram até aqui, porventura com um sorriso de condescendência, exponho este alertamento de Cícero (106-43 a.C.), orador e político romano, a respeito de que nem as comunidades mais requintadas e cultas desprezam o dom da profecia. Além disso, no campo laico, economistas fazem previsões que não se concretizam, analistas vaticinam reações da sociedade e se equivocam. E, se entrarmos no campo do esporte, então...

O Brasil é uma grei globalizante

Volvendo os olhos para o nosso país, repleto de descendentes de imigrantes e, também, de migrantes esperançosos de que finalmente sejam integrados no melhor do seu tecido social, confirma-se a evidência de que possui um dos mais extraordinários povos do orbe, e com características privilegiadas, em virtude de sua formidável miscigenação. É uma grei... globalizante...

Pietro Ubaldi (1886-1972), filósofo italiano, aqui chegado no início da década de 1950, soube ver o que outros começam a perceber agora:

— O Brasil é a terra clássica da fusão de raças, é o melting pot em que tudo se mistura. E sabemos que a natureza se regenera na fusão de tipos diversos, ao passo que o princípio racista isolacionista é antivital. (...)

Apesar da inópia à espera de ser definitivamente exorcizada, na Terra de Santa Cruz subsiste a grandeza que lhe tem permitido manter o milagre de sua unidade geográfica, idiomática, e expresso na capacidade de sobreviver.

Ah! A extrema violência de hoje?! Será que a culpa é do povo ou da senzala que não foi de todo desmontada? É da globalização? Antes foi do quê? Com a palavra, o matemático germânico Leibniz (1646-1716):

— Sempre tive por certo que, se reformássemos a educação da mocidade, conseguiríamos modificar a linhagem humana.

Mas em que bases? Hitler também queria alterá-la... O escritor francês Montaigne (1533-1592) nos oferece a resposta:

— Cuidamos apenas de encher a memória e deixamos vazios o entendimento e a consciência.

Isto é, além de instruir, urge ecumenicamente espiritualizar a grei globalizante, que singulariza um caminho novo para o mundo. Quem viver verá! O sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) proclamava que “o Brasil precisa descobrir o Brasil”.

José de Paiva Netto, jornalista, radialista e escritor.

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