Discurso Único
Em razão do artigo anterior, um antigo leitor desta coluna, depois de longa ausência, voltou a ler estas linhas. Seu retorno, contudo, não foi motivado pela homenagem feita a Nelson Mandela. Mas isto sim pelo trecho que fazia alusão aos mensaleiros, o qual era concluído com o “nada saber” do presidente de honra do PT, que saiu à época, com máxima de “ter se sentido traído”. Nada contra a quem acreditou e ainda creem nesta lenga-lenga. Preocupante é o fato de alguém querer que todos acreditem nela. Estas linhas - vale dizer - estão longe de servirem para engrossar qualquer uma destas duas fileiras. Pois esta não é a tarefa do analista político, tampouco o é a de torcedor, em especial quando se tem um espaço privilegiado como este.
Assertiva que se soma a outra, a de que analista algum deveria se filiar a um partido político, nem estar a serviço de determinado coronel da política, até em nome de sua independência. Condição necessária para a boa investigação das coisas da política. Imperiosa, na verdade, quando se tem à frente as peças, mesmo que estas estejam esparramadas e fora de seus lugares no tablado de xadrez. E elas, as peças, sempre estão deslocadas, uma vez que a disputa eleitoral é toda conduzida pelo malabarismo de palavras e de imagens, cujo propósito é o de seduzir o eleitorado, o qual – em sua maioria – não se retira do mundo das aparências.
Deve-se reconhecer, diante disso, o trabalho do marqueteiro. O marketing nada tem a ver com o julgar, o avaliar e opinar sobre a disputa e a respeito do desempenho dos concorrentes. Tanto que toda vez que esse profissional ousou conjugar tais verbos, na prática, sempre o fizera pela metade, pois privilegiou – e privilegiará – quem lhe paga pelo serviço.
Igualmente, vale dizer, com relação ao cabo-eleitoral. Eis, aqui, um detalhe que não pode passar batido pelo eleitor. Ainda que este se sinta atraído pela onda de torcedor. Onda que o deixa preso no interior da caverna, no dizer de Platão, cuja realidade se resume a falsas verdades, distante sequer das chamadas meias verdades.
Daí a importância do julgador. Pois o espaço da política – já se disse em outras oportunidades nesta mesma coluna, em dois ou três artigos – é um espetáculo que, como o teatro, exige também a participação dos críticos. Estes não podem ser intimidados, tampouco lhes retirados o direito de se manifestar, nem sob a força da ameaça de que “não mais voltará a ler os textos aqui publicados”, conforme estava digitado no e-mail do leitor mencionado no primeiro parágrafo deste texto.
Julgar e opinar são ações ligadas à faculdade democrática. Tal ligação não está sendo dita pela primeira vez, nem a última, evidentemente. Muitos, há bastante tempo, já o disseram, e com mais força e poder de persuasão, entre eles Kant e Hannah Arendt.
Assim, cabe acrescentar, os posicionamentos diferenciados são necessários, até para a compreensão do assunto em questão, desde que sejam precedidos da fundamentação. Isso porque o “achismo”, ainda que deva ser respeitado, não ajuda o processo democrático. Este é assentado sobre a argamassa da pluralidade, e, por conta disso, deixa de contribuir a defesa do discurso único, alicerçado na visão enviesada das coisas, até para beneficiar um dado coronel, partido ou bloco – geralmente preocupados apenas com seus interesses particulares, ainda que o façam por meio de palavras ou ideias que estão associadas à esquerda ou ligadas aos desejos da população. Afinal, “o discurso político é, por excelência, o lugar de um jogo de máscaras” – frase também por diversas vezes repetidas neste espaço, e pega de empréstimo de Charaudeau, até pela sua pertinência.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.