A idade da impunidade
Costumo ouvir a voz das ruas. Assim o fiz no fim-de-semana no Rio e no início da semana em Brasília. A cada vez que puxava o assunto da dentista assaltada em São Bernardo, e morta com fogo porque tinha apenas 30 reais na conta, as pessoas clamam em pena de morte e em redução da idade penal. Um taxista várias vezes assaltado, que teve colegas mortos por assaltantes, chegou a sugerir que a execução seja feita com o mesmo meio que o homicida usou. "Matou com fogo, morre na fogueira". Pensando bem, a dentista e Joana d`Arc foram executadas na mesma fogueira da injustiça.
Os que querem impor a ditadura do politicamente correto reagem à necessária redução da idade penal. Alegam que abaixo dos 18 anos a pessoa ainda não tem discernimento sobre o certo e o errado e perderá a chance de se ressocializar. Como "ressocializar" quem nunca foi socializado? No Jornal Nacional de sábado, mostramos a apreensão(não se pode chamar de prisão) do suposto autor da execução por fogo. Estava com o cabelo pintado de loiro, porque vira na TV as imagens dele, moreno, ao se dirigir, com o cartão da dentista, ao caixa eletrônico. Teve discernimento para se disfarçar. As imagens da apreensão mostram sua estatura física igual à dos policiais que o seguram. Vai completar 18 anos em junho e desde os 16 pode eleger presidente, governador, prefeito e legisladores.
No sábado, foi convocada uma passeata na avenida Paulista, pela redução da idade penal. Na região metropolitana onde se deu o crime hediondo, moram 20 milhões de brasileiros. Só 300 foram à passeata. Na mesma avenida que fica cheia no reveillon ou em manifestações sobre direitos gays ou de fé evangélica. Em assuntos de vida ou morte, só 300. Pobre país. A maior parte dos países civilizados é realista e considera que aos 12 anos a pessoa já tem discernimento quando comete crime. E tem que pagar como qualquer criminoso de mais idade.
O menor de idade assumiu a execução por fogo. Contou que jogou álcool na dentista amarrada e a "isqueirou". Até agora a polícia está caindo na treta de que o homicida é o menor. Depois, ele disse que assumiu por estar ameaçado. Desde que aprovaram o Estatuto da Criança e do Adolescente, os criminosos passaram a usar esse argumento. O autor é sempre o menor. Qualquer estudante de Direito saberia que todos foram autores. Pena de morte para os quatro, diria o motorista de táxi. Tão cúmplices quanto os que assaltaram a dentista somos todos os que nos alienamos e mantemos a impunidade para menores de 18 anos. A cada vez que um deles tirar vidas, explicando que saiu de casa com vontade de matar, somos também responsáveis se mantivermos essa idade da impunidade.
Alexandre Garcia é jornalista em Brasília