A fidelidade partidária e as pretensões eletivas
Cessadas as eleições municipais de 2012, iniciam-se as articulações visando o próximo certame eleitoral e se torna muito comum a temática da possibilidade dos detentores de mandato eletivo se desfiliarem da legenda pela qual foram eleitos, visando o ingresso em partido diverso através do qual almejam disputar as eleições vindouras.
Sendo regra que o mandato pertence ao partido, o detentor de mandato eletivo deve exercer todo seu mandato pela agremiação junto a qual se elegeu, salvo as cláusulas legais de justa causa da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral n.º 22.610/2007.
É fato que toda mudança de legenda traz consigo um plano pessoal atrelado à justa causa, ou seja, o partido que poderá vir a receber o mandatário certamente faz promessas de acolhimento de seus planos. No entanto, não deve o parlamentar ou o Chefe do Poder Executivo se apoiar cegamente em sua vontade, acreditando que a Justiça Eleitoral será leniente com a mudança de partido, isso porque deve existir hipótese de justa causa atual.
A atualidade da justa causa se refere à circunstância de que o Tribunal Superior Eleitoral diz que fatos passados, distantes do momento, não podem gerar justa causa se não forem alegados em tempo hábil, razoável. Do contrário, o mandatário passaria a formar uma espécie de “crédito” contra o partido para usar quando lhe conviesse, desnaturando o instituto da fidelidade partidária.
O requisito acima apresentado está ligado ao fato de que também não deve o parlamentar deixar sobressair, sobre a hipótese de justa causa, um plano exclusivamente pessoal, sem que o partido tenha de alguma forma transgredido. Vale dizer, uma ação normal do partido, que faça parte do jogo político, não autorizará a saída do mandatário simplesmente por contrariar sua vontade, conforme casos já decididos pelo próprio Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso.
Em se tratando de fidelidade partidária, um primeiro ponto polêmico se refere à possibilidade do partido autorizar a saída do detentor de mandato eletivo. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é muito clara em dizer que caso haja a liberação partidária, o mandatário poderá tranquilamente sair das fileiras desse partido e se filiar a outro de sua livre escolha. Quanto a isso não há qualquer discórdia no TSE. Deve-se ter apenas o cuidado de que a autorização seja concedida por aquele que seja munido dessa atribuição, normalmente o Presidente do Diretório no âmbito do mandato (Federal, Estadual ou Municipal), quando não a própria diretiva da agremiação.
Mas, havendo embaraço por parte do partido, temos duas hipóteses de justa causa que geram incerteza em sua ocorrência, sendo elas a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e a grave discriminação pessoal. Ambas possuem palavras com significado indeterminado, como “substancial”, “desvio”, “programa”, “grave discriminação”, enfim, demandam um trabalho mais apurado da Justiça Eleitoral.
Nesse contexto, tratando primeiramente da grave discriminação pessoal, como regra, atos únicos, como por exemplo, a falta de apoio do partido para a indicação de determinado mandatário a cargo relevante, por si só, não gera a hipótese de justa causa. Contudo, associar o fato acima mencionado com outros, como a falta de espaço na propaganda partidária e o não chamamento para as reuniões partidárias – isolamento do parlamentar - podem causar a denominada “grave discriminação pessoal”.
A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral entende que uma carta enviada pelo partido, “convidando” o parlamentar a se retirar do quadro partidário caracteriza a hipótese de justa causa da grave discriminação pessoal, sendo este um dos poucos, senão o único exemplo de ato partidário único que gera a justa causa ora comentada.
A propósito do último exemplo, caso o parlamentar seja expulso do partido por ser desobediente às diretrizes da legenda, esta não poderá tomar para si o mandato, o qual permanecerá sob domínio do parlamentar expulso, ainda que este venha a se filiar a outro partido. A expulsão, portanto, não garante ao partido a propriedade sobre aquele mandato específico.
Por sua vez, a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário não exige que o partido mude radicalmente seu estatuto, de modo formal, ou que realize uma conduta política gritante, absurda, sob pena de tornar sem eficácia o dispositivo da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral n.º 22.610/2007.
Assim sendo, o Tribunal Superior Eleitoral já reconheceu que um partido que atua como oposição ferrenha ao governo, que exerce forte crítica à corrupção, e, em seguida vem a se tornar governo, vê seus filiados envolvidos em corrupção, e que nada faz contra esses que agiram ilicitamente, acaba por gerar a justa causa comentada. Permite, assim, a desfiliação de parlamentares com justa causa por mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário.
Da mesma forma, um partido político que há algumas eleições faz parte de determinado grupo político e que muda de aliança política drasticamente, e com essa nova aliança acaba por obrigar, forçar seus parlamentares a se aliarem a adversários políticos ferrenhos até então, faz surgir a justa causa. Ou seja, passa a permitir a desfiliação dos detentores de mandato, os quais não podem ser obrigados a trair a confiança de seus eleitores simplesmente porque seu partido transgrediu.
Em suma, o desvio de conduta política do partido não pode colocar os detentores de mandato eletivo em situação constrangedora perante seu eleitorado. A mudança drástica de aliança não pode obrigar o parlamentar a ser “amigo politico” de quem não é, assim como não pode inviabilizar sua existência política.
Seja qual for a justa causa cujo uso o detentor de mandato pretenda fazer, grave discriminação pessoal ou mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, a somatória de vários atos ou fatos facilitará sua caracterização e tornará a Justiça Eleitoral sensível às suas razões, ao passo que condutas partidárias simples e corriqueiras poderá gerar a perda do mandato eletivo.
Gustavo Carminatti