Uma Vaia Fora de Sintonia
Todos dizem, e com orgulho, viver em um país democrático. Este entusiasmo é valioso, e até necessário, embora possa parecer etnocêntrico. Ainda que não de todo verdadeiro. Pois são claríssimos os sinais que, de algum modo, freiam a liberdade, na sua real amplitude de sentido, e este freio inibe a vida em democracia. Bem mais quando se registra a presença de impedimentos, mesmo sutis, para que o outro não expresse o que pensa a respeito de uma dada situação, vivida por aqui ou fora daqui. Este é o ponto inicial, e porque não central, de quaisquer discussões em torno das vaias contra a blogueira cubana.
A vaia tem o sentido de intimidação. Pois quem uso faz dela, o faz para impedir não só o manifestar livremente de outrem, como também em uma tentativa de desqualificar quem pensa de maneira diferenciada. Embora, por outro lado, esta forma de proceder, também tem um efeito contrário, ao revelar a falta de traquejo e a inabilidade em dialogar de seu autor, até mesmo pelo próprio desconhecimento ou na sua deliberada manifestação de esconder, no caso, a respeito das ações do governo cubano.
Causa maior estranheza quando se sabe que o tal cenário de intimidação foi arquitetado e viabilizado por partidos ditos de esquerda. Partidos que têm, juntamente com seus líderes maiores, um histórico de luta contra o regime burocrático-militar. É como dissessem, só agora, que apenas o impedimento e a censura do passado são abomináveis.
Abomináveis, na verdade, são todas as formas de se fazerem calar. Independentemente do tempo e da época. Bem mais quando elas são adaptadas ao presente, no qual o signo é o do viver democraticamente, ou revestidas de um dado caráter de manifestação livre, com a responsabilidade única de cercear a liberdade de quem também deseja e deve se apresentar, ainda que contrário as leituras dos “donos da verdade”.
O cenário político, aliás, é todo palmilhado por leituras múltiplas. A pluralidade deve ser o termômetro de mensurar o nível da democracia. Esta nunca se apresenta uniformemente, até mesmo em razão do seu estágio plural de ser. Isso desde o instante em que a política foi criada, lá pelos gregos antigos, e quando estes arrancaram o poder das mãos privadas e trouxeram para a praça, tornando-o público.
Detalhe, porém, ignorado pelos dirigentes partidários. Daí o silêncio da imensa maioria dos militantes e dos filiados, que só é chamado para dar eco às vozes dos coronéis, dos manda-chuvas. O que empobrece o ambiente, e promove igual resultado que a ditadura gerou, quando subtraiu a liberdade e transformou o encontro de dois ou mais pessoas em caso de polícia.
Situação que não se repete nos dias de hoje. Não com esta denominação. Embora ainda se veem policiais a barrarem pessoas nas ruas, até por conta da violência bastante presente no cotidiano, mas muito raramente para inibir o livre expressar-se. Muitas vezes, aliás, se viu estampado nos muros “o fora Collor”, porém o estranho é não se ter notícia de um único mural – desenhado por quem se diz ser da esquerda – com “prisão aos mensaleiros”. Será por causa impressa sensacionalista?
Isso, entretanto, não explica, tampouco justifica as vaias endereçadas a blogueira cubana. Uma vaia totalmente fora do tempo e do lugar.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.