Uma Viagem de Férias
Férias se associam a viagens, e estas conduzem a leituras, as quais não deixam de ser também um viajar. Portanto, viajam-se muito quando se lê, e o ler está presente nas andanças. Ainda que o faça sem perceber. Pois, independentemente do meio que se usa – textos, carro, avião, trem ou navio - sempre tem uma paisagem ou um trecho que chama atenção. E, logo, a imaginação ganha asas. Asas capazes, inclusive, de aproximarem o pretérito do presente, ou deste o futuro. Isso quando o veículo da viagem é um livro, vídeo, álbum ou o cinema, que não leva em consideração as distancias. Nem mesmo as de tempo. Por isso é possível trazer para o hoje estampa fotográfica que nem existe mais, imortalizada que foi por autores de outrora.
Esses autores continuam atuais, a despeito dos anos passados, décadas ou séculos. A idade, aqui, não conta. Nem deveria contar, pois o tornar-se atual nada tem a ver com a pouca idade. Mas da solidez de suas idéias, que foram concebidas a partir do diálogo. Ainda que seus interlocutores não se façam presentes.
Um livro, aliás, permite essa magia. Uma magia que faz das férias bastante enriquecedoras. Mesmo que não se tenha saído necessariamente de casa. Desde que se esteja em boas companhias. Companhias, por exemplo, de bons escritores, cuja lista seria sempre incompleta com as ausências dos chamados clássicos e, igualmente, de alguns escritores que jamais fizeram parte da equipe dos mais vendidos. Pois o não aparecer entre os mais vendidos não implica baixa ou quase nenhuma qualidade. Um dos livros de Carlos Ruiz Zafón, “A sombra do vento”, por exemplo, traz uma crítica nessa direção. Sobretudo quando ele diz que grandes livros e autores nem sempre aparecem em destaque nas livrarias. Até porque, neste particular, prevalece à boa literatura às estratégias de marketing das editoras e de determinados escritores.
Ruiz, aliás, é um dos pouquíssimos escritores com menos de cinquenta anos que jamais poderia faltar na bagagem de férias. Mesmo que a tal bagagem seja constituída, em sua maioria, por obras de autores de épocas distintas, a exemplo de Edgar Allan Poe, Victor Hugo, Dostoiévski, Albert Camus, Graciliano Ramos e Machado de Assis.
Trata-se de uma lista bastante heterogênea. Rica em dados sobre a natureza humana. Apropriada para o momento vivido, cujo retrato apresenta traços marcantes da violência. E esta, independentemente de sua forma, faz aumentar o medo, que é uma espécie de indicador da própria impotência do ser humano diante de certas situações, as quais ele mesmo criou e alimenta. O que provoca, entre outros, um vazio existencial, e este não deixa de ser um tipo de crise. Crise muito presente na modernidade, e até na pós-modernidade. Isso porque o homem da contemporaneidade abandonou seus reais valores. Isso fica claro em “A queda”, de Albert Camus, cujo narrador se coloca, ao mesmo tempo, como penitente e juiz, julgador e réu, denunciador e crítico do processo penoso que se encontra a figura humana. Processo que se dá pelo também viés da ironia. Característica igualmente identificada nas obras dos autores citados acima. Mas não é uma ironia escachada, do tipo que se encontra a cada esquina e em qualquer tipo de venda de bugigangas. Machado de Assis era autor de outra forma de ironia. O que obriga o leitor a se manter atento durante toda a leitura que, no dizer de Nelson Rodrigues, é uma arte, “a da releitura”.
Rele-se não apenas os livros, mas também os filmes e as estampas fotográficas, as quais não deixam de ser igualmente um texto. Textos que levam a viagens extraordinárias, e estas fazem das férias verdadeiros momentos de distração e de aprendizado.
Tenham todos, portanto, um grande 2013 – cheio de deliciosas viagens.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: loua.lves@uol.com.br.