Crise Maggiore
Escrevo no trem, de Stresa para Milão. Vim para a beira do Lago Maggiore para comemorar o aniversário de um velho amigo, matogrossense de Poconé. Muitos italianos estavam no aniversário dele, que foi gerente do Banco do Brasil em Milão. E a conversa de tarde inteira acaba na curiosidade dos italianos sobre o Brasil. Um deles me pergunta se é verdade que temos quase 100 assassinatos por dia. Respondi que não. Na verdade, temos 150 homicídios por dia, em média. Ele ficou com cara de quem não acredita. Falamos de estradas e carros e outro me pergunta se é verdade que temos mais de 100 mortes no trânsito a cada dia. Respondo que não. Temos, na verdade, mais de 200 mortes por dia no asfalto. "Vocês, brasileiros, são loucos!"- reage o italiano. Também errou. Somos, na verdade bobos. Muito bobos, porque morremos à razão de mais de 350 por dia de morte violenta e nada fazemos, não reagimos, aceitamos.
Vocês, italianos, acham que a Itália está em crise e gozam o primeiro-ministro Mario Monti. Mas a crise de vocês não chega perto da nossa. Imaginem um país com 350 mortes violentas por dia, isso não é uma crise? É mais do que as mortes na Síria, no Afeganistão. Isso é que é crise. Não é de números na bolsa, no câmbio, no emprego. São números de vida. Sem vida segura, tudo mais é inútil, secundário. Mas nós, brasileiros, parece que estamos cegos, surdos e mudos ante uma crise assim tão séria, tão gigantesca, tão violenta - discursei.
Depois das comemorações do aniversário, passei uns dias em Stresa, no mesmo hotel em que Hemingway escreveu Adeus às Armas. Na mesma cidade em que os aliados da Grande Guerra se reuniram em 1935 para tentar conter o rearmamento da Alemanha de Hitler. Uma conferência inútil, como se viu. Stresa é uma bela cidade. Boa comida, bons vinhos e, sobretudo, o Lago Maggiore, com suas três ilhas que Gustave Flaubert chamou de "paraíso terreno". Tarde da noite, depois de um concerto com a Sinfônica de Frankfurt, saímos a passear por ruelas desertas, escuras e românticas. Nenhum medo de assalto. Segurança absoluta. O que fizemos do nosso Brasil ?
Pela manhã, na praia, o pai afastou-se do filho pequeno para fumar. Antes, caminhou um pouco para jogar o palito de fósforo no lixo. Como todos fazem assim, está tudo limpinho, bem cuidado, florido. Turistas andam em grupos que não produzem barulho e esperam o sinal verde na faixa de pedestre. E no café-da-manhã, a diferença: a primeira música da manhã, não é barulho. É, em geral, um piano ou um violino, em volume que mal dá para ouvir. O trem já está chegando a Milão; é uma composição regional, de apenas 140 km/h, com a passagem custando 7 euros e 40 centavos. E ninguém vem fiscalizar se estou com a passagem no bolso. É a civilização, amici.
Alexandre Garcia é jornalista em Brasília