Urbanidade distante
Perdoem-me, ainda estou sob o impacto da volta ao Brasil depois das férias. Acontece, em geral, duas vezes por ano mas ainda não me acostumei. Isso não acostuma nunca. Sábado eu caminhava no calçadão de Copacabana e via pedestres correndo e caminhando na ciclovia. Não havia visto nada parecido nas últimas três semanas, na Europa. Ciclovia não é para bicicleta? Em seguida, vi uma senhora usar a faixa de pedestre com o sinal vermelho para ela. Trazia um cachorro na guia. Vinha ensinando o cãozinho a se portar como um selvagem. A cinco metros da faixa, outra senhora atravessava a avenida Atlântica. No elevador do hotel, um senhor entrou sem tirar o bonezinho. Ao descer para o almoço, a senhora a meu lado apertou nos dois botões de chamada - de certo não sabia se iria descer ou subir. O elevador já tem mais de um século de uso e ainda não aprendemos a usá-lo.
O telefone já era usado por Pedro II, mas quando chamamos, em vez de nos identificarmos, perguntamos quem atendeu. Na calçada, o senhor falava aos berros ao celular e caminhava na contramão, prejudicando os outros. Temos a mania de nos agruparmos no caminho dos outros, de fazer fila em passagem de gente, de bater-papo nas portas. E a conversa tête-a-tête tem um volume como se os interlocutores estivessem a 100 metros um do outro. Embarco com pressa no Santos Dumont, mas na escada rolante as pessoas não sabem que têm que ficar à direita para dar passagem para os atrasados.
Á mesa, não sabem como se servir de pão, ou como segurar os talheres e se debruçam de cotovelos - um espetáculo selvagem. Em três semanas de Europa, não encontrei sequer um banheiro de uso público - nos hotéis, restaurantes, metrô, ruas, estações ferroviárias ou aeroportos - que não estivesse impecavelmente limpo e cheiroso. Pois na volta para o Brasil, num avião cheio de brasileiros, os banheiros ficaram imundos. A propósito, no domingo, chegando do Rio, o banheiro dos homens no aeroporto de Brasília estava lotado e notei que fui o único a lavar as mãos antes de fazer xixi.
Ora, se as mãos são a parte mais suja e contaminada do corpo, é essencial que preservemos um dos órgãos mais importantes do corpo masculino. Na Veja desta semana li que 27% dos brasileiros são analfabetos funcionais e que apenas 26% são alfabetizados plenos. Isso seria consequência de um sistema medíocre de educação. Mas penso que não é a causa direta da falta de educação, de modos civilizados. Quando se aprende uma língua para sobreviver no país que se visita, as palavras mágicas a serem traduzidas são por favor, obrigado, desculpe, com licença. Com esse básico a pessoa se sai bem em quase tudo. São palavras pouco usadas no país tupiniquim. E isso não se aprende na escola, mas em casa.
Alexandre Garcia é jornalista em Brasília e escreve semanalmente ao Toque de Alerta