Vivendo do futuro
A gerente de banco que iria me atender ainda estava ao telefone e pude escutar a conversa. Um cliente chorava por um juro menor, para um empréstimo de 50 mil, que renovava o de 36 mil que ele havia feito no ano passado. A inflação cresceu 5% mas o endividamento dele no banco subia quase 40%. É a ilusão do crédito. O saque no futuro. É o gastar muito hoje por conta do que se imagina ganhar amanhã. E os juros dobram, triplicam o saldo devedor. É como entrar em crack; depois, fica impossível sair. Fica uma marca no cérebro. A vida no vermelho.
Em tempos de "milagre econômico", o crescimento médio de 11,2 % ao ano durante três anos abonava como verdade absoluta a frase do mago Delfim, algo como: Dívida é para dever mesmo; a gente vai rolando e ela vai financiando o crescimento. Só que eram tempos em que o governo acumulava dívida externa e aplicava em pontes, hidrelétricas, estradas, saneamento, educação, saúde, segurança. Hoje sobra pouco para investir, porque o gasto com a máquina pública é gigantesco. E anda forte a cultura em que Delfim endossa o endividamento e Lula apela para consumir. Não é de se admirar que os dois estejam tão juntos. Mas para o crescimento do país, segundo o Credit Suisse, sobra 1,5%. E para os brasileiros endividados, pendurados em bancos e nos carnês, quanto de futuro sobra?
País não faz milagre se não tiver poupança para investir. E a pessoa não tem futuro se o amanhã estiver comprometido pelos gastos de hoje. Discursos, intenções de acabar com a pobreza nos papéis da Rio+20, rezas para o santo dos endividados, nada disso adianta se houver desequilíbrio entre a renda do trabalho e a despesa. Tampouco adianta entrar na fila da lotérica e jogar dinheiro fora. Segundo o matemático Oswald de Souza, as chances de bater um raio na nossa cabeça são maiores do que fazer fortuna na loteria.
Conheço muita gente que vive sem dívidas e ganha pouco. Casais com três filhos, ganhando 2 mil reais por mês, conseguem ter até computador em casa bem mobiliada. Pergunte a fórmula: não gastar mais do que se ganha. Meu avô, contador, me ensinava que só quem podia pagar juros bancários era o Martinelli(equivalente hoje ao Eike Batista). E aprendi que dar o passo maior que as pernas acaba rasgando os fundilhos.
Alexandre Garcia é jornalista em Brasília