Pão e circo
O Ministro dos Esportes disse que só os jornalistas se preocupam com atrasos nas obras da copa. Que os jornalistas têm desconfiança no êxito das obras em 17 estádios. "Não vejo essa desconfiança na sociedade". O correto ministro Aldo Rebelo com certeza está tendo contato com a sociedade esportiva, não com a sociedade em geral. Porque o que tenho ouvido, em toda a parte, são críticas à loucura que levou o governo Lula a trazer o torneio mundial de futebol para o Brasil. O que as pessoas dizem é que há prioridades sérias no país que insiste em ser a terra do futebol e do carnaval.
Ontem recebi, na internet, fotos maravilhosas de como ficarão 12 estádios - agora chamados de arenas, alguém me explique por quê. Um deslumbramento. O imperador romano Vespasiano conseguiu fazer o Coliseu para dar ao povo panem et circensis - pão e circo. Comida e distração, para ninguém incomodar. Os estádios - arenas como o coliseu e outras arenas erguidas no império romano - tentam servir para deixar o povo brasileiro quieto, anímico, sem reação. Crianças do quinto ano primário não sabem ler nem escrever, nem somar e diminuir, e pessoas doentes morrem nas filas dos hospitais públicos. A cada dia 137 brasileiros são assassinados, em média. A copa do mundo e esses estádios faraônicos pretendem deixar o povo orgulhoso. Imaginem se o time do Brasil ganhar. Vai ser uma festa, só comparável ao carnaval que entorpeceu o país depois que arrastaram até a morte, pelas ruas do Rio, o menino João Hélio.
Agora recebi pela internet as fotos antecipando como vão ficar os estádios de 2014. Uma maravilha que orgulha o país. Em seguida, vieram as fotos das escolas e dos hospitais. Crianças abandonadas em escolas caindo aos pedaços. Pacientes de todas as idades jogados no chão, por falta de leitos e médicos. Fotos reais, terríveis. Contrastes absolutos com o estádios que vão se encher de torcedores e dos ídolos do futebol. Nos hospitais, os brasileiros mais pobres, que dependem da rede pública, humilhados, sofrendo, morrendo. Nas escolas mambembes, com professores mal-formados, o futuro humilhado, sofrendo, morrendo. Isso sem contar nas ruas com assaltantes e assassinos e nas casas, brasileiros escondidos atrás das grades. Mas estamos torrando dinheiro em estádios maravilhosos, que o modismo chama de arenas.
A Argentina, antes de sediar a Copa de 78, passou por grande discussão. O Ministro da Economia vetou, argumentando que havia outras prioridades, que o país estava em crise. No Brasil, não houve discussão. A turma do circo, mais uma vez, cegou e ensurdeceu os brasileiros. Alguns acharam uma vitória, sediar a Copa. Uma pena. Já imaginaram os recursos da Copa aplicados em escolas, hospitais e segurança? Em lugar de futebol, teríamos educação - que significa conhecimento e libertação -, saúde - que significa qualidade de vida - e segurança - que significa vida e liberdade. Vamos ficar com a bola. Bola murcha.
Alexandre Garcia é jornalista em Brasília