Não chore por Demóstenes
Quem admirava o senador Demóstenes Torres como um combatente da ética, decepcionou-se ao ouvir as gravações em que ele mostra estar não a serviço da moralidade mas a serviço de um contraventor. O próprio partido forçou-o a sair, ou iria expulsá-lo. Quantos mais estão ligados a bandidos, vigaristas, contraventores e chefes-de-quadrilha? Que seria o governador Brizola, no Rio, sem a notória ligação com os bicheiros? Assim como todos conhecem a participação de vereadores do Rio com traficantes ou milícias. Está na cultura nacional, pelo que demonstra a falta de reação da sociedade.
E ficamos entre dois tipos de gente: o de duas caras, como é o caso de Demóstenes, ou os desavergonhados, como é o caso de Roberto Jefferson, que confessou as tramóias com a maior naturalidade, para entregar os outros. E o que dizer dos 40 do mensalão? Foram corrompidos por Marcos Valério ou foram eles que corromperam o publicitário que emprestou seu nome para operações ilegais? Do modo como mentiram da tribuna, os do mensalão, ou os senadores Arruda e Roriz e Jáder, nota-se que mentir "faz parte da ética da política" - como alguém explicitou o paradoxo.
E se não temos mais Demóstenes - já que aquele que tivemos morreu - vai sobrar quem? Pedro Simon e mais alguns mosqueteiros na contramão da maioria? Brasileiros se sentiram meio viúvos com a morte daquele Demóstenes. Mas não adianta chorar diante do rico caixão pago por Carlinhos Cachoeira. É preciso converter as lágrimas em votos, já que os votos, nesses últimos tempos, tem se convertido em lágrimas de quem precisa da saúde pública, da segurança pública, da escola pública, da justiça e do transporte.
Demóstenes mostra como é difícil votar. Estávamos todos crendo nele, esperando dele, apoiando-o, admirando-o e o aplaudindo. Votaríamos todos nele, reelegendo-o ou conduzindo-o a um cargo público mais importante. Promotor de carreira, era o acusador dos corruptos. Teria sido corrompido por Carlinhos Cachoeira? Claro que não. Uma moral sólida não se corrompe a preço algum. Então foi um engodo e um engano nosso - como é frágil o nosso discernimento!
Alexandre Garcia é jornalista em Brasília