O Indignar-se e a Afronta
Dezenas de parlamentares cogitam entrar nas disputas pelas prefeituras. Notícia que se encontrava estampada em grande site brasileiro. Reproduzida em blogs e jornais, e até comentada. Mas não o quanto devia. Pois a dita matéria deveria ser discutida por todos: estudiosos, jornalistas, analistas e eleitores em geral. Ainda que a muitos destes falte leituras a respeito. Sem que esta falta resulte na perda da vontade de indignar-se. Afinal, o indignar pode, e bem que poderia provocar uma discussão em torno da questão.
Temática que, sequer, passou pelas comissões especiais de reforma política do Senado e da Câmara Federal. Ingenuidade é pensar que tal tema chegaria a ser lembrada por um congressista, ou colocada à mesa de discussão. Parlamentar algum advogaria contra seus próprios interesses. Particularmente o de candidatar-se a outro cargo sem que renuncie ao agora ocupado. Privilégio único. Absurdo para o contribuinte. Bem mais quando se percebe que a derrota para a prefeitura não implica necessariamente em perda do posto de deputado e de senador. Por isso o parlamentar sai para a disputa, e, mesmo na derrota, ele ganha com o tempo que ficou em evidência. O que certamente lhe beneficiará na reeleição daqui a dois anos. Isso subtrai a possibilidade de igualdade de condições nas eleições. Tanto nesta, em razão da utilização de emendas no orçamento para consolidar o projeto particular de vitória, quanto na que virá.
Daí a necessidade de se mudar a essa regra. Uma regra que lembra bastante o Brasil arcaico, do sufrágio restrito e do tempo em que o direito de ser candidato era apenas de alguns poucos, e que estendia suas candidaturas por dois ou mais Estados. Muita coisa desse período, estranhamente, continua hoje em dia. Isso não é apenas estranho. Mas um tanto triste. Sobretudo quando se depara com o fato de que um parlamentar pode disputar a chefia do executivo municipal e continuar com seu gabinete na Casa Legislativa, sem se desincompatibilizar. O licenciar não é o mesmo que renunciar. Verbos que são diferentes não apenas nas grafias, mas também no sentido e na duração.
A renúncia, portanto, deveria ser a única opção existente. Até mesmo em razão do risco que é, ou deveria ser uma disputa eleitoral. Além do mais, ao sair para outra disputa, diferente, o parlamentar quebrou o acordo que fizera, dois anos antes, com o eleitorado. Assim como o faz quando deixa o Legislativo para ocupar uma secretaria ou um ministério.
Beneficia-se, então, o infrator. É este que, curiosamente, se apresenta ao eleitorado como o mais probo dos íntegros, o mais correto dos corretos. Pior ainda, traz junto de si uma porção de gente que passa todo o tempo dedicado a desqualificar a pessoa do seu oponente, a qual jamais tenha erguido o fardo da quebra de quaisquer tipos de acordo, nem mesmo o que aparece no estatuto partidário, que obriga o filiado a participar dos eventos e das discussões internas. Obrigação, na imensa maioria das vezes, descumprida. Inclusive por lideranças – aquelas que só aparecem por essa época, quando se discute um nome para sair candidato pelo partido, e, depois da derrota, recolhem-se ao silêncio da casa e dos negócios particulares. Situação que deixa insatisfeito quem votou na dita liderança.
De todo modo, o privilégio de alguém sair para a disputa sem a renúncia da condição de parlamentar é uma afronta a moralidade, a igualdade na eleição e, acima de tudo, um desrespeito ao cargo atual e aos eleitores, que lhe conduziram a uma cadeira na Casa Legislativa. Ainda que se saiba que nem todos os parlamentares-postulantes irão mesmo sair candidatos à prefeitura.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uolo.com.br.