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Sexta - 16 de Março de 2012 às 00:32
Por: Lourembergue Alves

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Um dia, na fila de um dos caixas do supermercado, duas pessoas conversavam animadamente. A demora no atendimento parecia não os incomodar. Talvez em razão de ser domingo, e ainda faltava muito para o almoço, ou porque o assunto da conversa lhes atraia deveras. Uma pequena assistência se formou. Isso, sem contar, os curiosos das demais filas, bem como uma porção de outros que fingia interessar pelas revistas ali expostas, e parava para ouvir e comentar o que era dito. Tinha-se, então, naquela misturança de cenas, uma amostra do que deveria ser o ambiente da política - espaço apropriado da esgrima, do debate de idéias e de pontos de vistas diferenciados.

É este, aliás, o espaço essencialmente humano. Pois nunca se viu, por exemplo, pardais a deliberarem. Diferentemente, portanto, das pessoas. Estas, sim, são levadas a escolher e a posicionar. Ainda que algumas delas prefiram o silêncio, e mesmo este nada mais é do que uma dada manifestação. Ações que, evidentemente, expressam necessariamente o fazer da política. Fazer que, de forma alguma, se diz unicamente aos chamados políticos. Ainda que os tais senhores fossem, como são eleitos e, depois da posse, sejam pagos para representarem os cidadãos. Pois sem os cidadãos inexistiria o Estado – o qual deveria estar a serviço da população, não de uma casta de privilegiados – e inexistiria também a vida em democracia, sem a qual desapareceria o próprio Estado de direito.

Equivoca-se, portanto, os defensores de teses contrárias. Bem mais quem diz, até por falta do que dizer, que o Estado de direito é uma realização dos homens de toga ou, também, dos advogados. Pois lhes faltam argumentos para tamanha defesa, assim como igualmente faltaria para quem dissesse que aquele Estado é fruto unicamente dos profissionais da saúde, ou tão somente dos professores, ou apenas dos engenheiros, etc., etc.

É certo que sociedade moderna ou pós-moderna alguma não sobreviveria sem as mais variadas profissões. Mas cabe aos cidadãos – e unicamente a estes, independentemente de suas atividades profissionais – a incumbência de guardiões do Estado democrático e de direito. Certeza que brota dos princípios constitucionais, se constrói no cotidiano da vida, e se perpetua na concretização das ações republicanas.

Quadro que não passou despercebido pelos debatedores. Estes se mostravam seguros e bastante convictos de suas afirmações, além de procurarem convencer os presentes de suas assertivas. Infelizmente, no entanto, a fila andou. Então, eles foram atendidos pelo caixa. Pagaram e, enfim, desapareceram porta a fora.

Restaram as lembranças daquela manhã de domingo, lá na fila do supermercado, quando dois clientes se fizeram de esgrimistas, e, nesta condição, procuraram – cada qual a sua maneira – defender seus pontos de vistas a cerca do viver democrático. Daí, e não sem razão, outra certeza: a de que os chamados representantes do povo confundem política com politicagem. O pior de tudo, é que igualmente a maioria da população também faz idêntica confusão. Talvez, por isso, não perceba o seu real papel, bem como o próprio papel da política, cuja área de jurisdição é a do diálogo, da negociação. Jamais a do troca-troca de favores.

Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br. 



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