EIRELI – aparentemente eficaz, mas ainda polêmica
No dia 9 de janeiro deste ano, entrou em vigor a Lei nº 12.441/2011, que altera o Código Civil e institui a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – a chamada EIRELI.
Este novo tipo de estrutura negocial é constituído por uma única pessoa, detentora da totalidade do capital social da pessoa jurídica. Esta, por sua vez, munida de registros próprios e regulada em seu ato constitutivo, pode exercer tanto o comércio como a prestação de serviços, com total autonomia (personalidade jurídica) e patrimônio próprio, distinto de seu titular.
Na prática, a criação da EIRELI tem como propósito maior diminuir a informalidade no país, tornando mais segura a atuação empresarial para aqueles que não possuem, não querem, ou não podem ter sócios, mas que, por força da legislação até então vigente, eram obrigados a se utilizar de “sócios laranjas” para cumprirem com exigências legais, ou ainda, a atuarem como “empresários individuais”, os quais, carregam consigo o ônus de serem pessoal e ilimitadamente responsáveis por todo o passivo gerado pelo negócio desenvolvido.
A EIRELI, dentre os vários benefícios que possui, autoriza o exercício da atividade econômica organizada por um único proprietário investidor, cujo patrimônio pessoal encontra-se legalmente protegido, vez que, a empresa por si própria, passa a responder pelas dívidas constituídas no giro regular de suas atividades, até o limite do capital social. Neste particular, inegável dizer que a EIRELI guarda enorme similaridade com as sociedades limitadas.
Esta garantia conferida por lei ao titular, que a bem da verdade, é a essência da EIRELI, não pode ser tida pelos investidores como um salvo conduto, nem deve. Isto porque, ao mesmo tempo em que a lei possibilitou a criação da empresa com limitações de responsabilidade e segregação patrimonial do titular, manteve intacta as disposições vigentes da legislação civil que possibilitam a desconsideração desta proteção nos casos em que se constate “desvio de finalidade” ou “confusão patrimonial”. Além disso, as normas trabalhistas e tributárias de responsabilização de sócios, titulares e administradores, permanecem válidas e aplicáveis ao novo modelo de negócio.
Portanto, trata-se de modelo extremamente interessante em sua forma, e aparentemente eficaz em seu conteúdo, desde que, o titular-investidor atue de forma prudente e correta, e principalmente, possua controle contábil-gerencial preciso a ponto de justificar eventuais questionamentos que possam ser feitos por credores. A EIRELI, vale destacar, protege o titular da empresa contra os riscos do negócio, mas não os atos pessoais de má-fé praticados pelo titular em benefício próprio.
De mais a mais, algumas questões atinentes a EIRELI merecem destaque por evolverem certa polêmica. A primeira, sem dúvidas, refere-se ao capital social mínimo para constituição deste tipo de negócio. A legislação, neste ponto, estabeleceu que o capital social mínimo da EIRELI não poderá ser inferior a 100 (cem) vezes o salário mínimo vigente (o que hoje, representa R$ 62.200,00). Em Portugal, por exemplo, um modelo parecido de empresa, o capital social mínimo exigido é de aproximadamente 5 (cinco) mil euros, algo em torno de R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais).
Sobre este ponto especificamente, antes mesmo que a lei entrasse em vigor, um partido político propôs no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade e um deputado federal apresentou projeto de lei para reduzir de 100, para 50 vezes o salário mínimo, como capital social mínimo. Essa questão, sem dúvidas, precisa ser bem discutida e ajustada, pois, de fato, o limite parece não ser razoável, em que pese, seja o próprio capital que delimitará a responsabilidade da empresa perante terceiros credores. Se baixo demais, eventualmente, o capital social poderá não ser suficiente para conferir garantias mínimas aos credores. Por outro lado, alto demais, inviabilizará a utilização do modelo por muitos micro empresários.
Outra polêmica instaurada foi a determinação dada pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (“DNRC”), subordinado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, para que as Juntas Comerciais não autorizem o registro da EIRELI quando o titular da mesma seja pessoa jurídica. Referida limitação, no meu entender, afigura-se ilegal na medida em que a lei estabeleceu que as empresas individuais de responsabilidade limitada poderiam ser constituídas por qualquer “pessoa” (as quais, presumo possam ser tanto físicas como jurídicas). Este embate, se não resolvido a curto prazo, certamente levará muitos interessados a investir como pessoa jurídica ao Poder Judiciário.
Mais um ponto polêmico que foi estabelecido recentemente é o local de registro da EIRELI. A COSIT (Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal) dispôs que as sociedades consideradas “simples” pelo Código Civil (ou seja, aquelas normalmente formadas por autônomos ou profissões legalmente regulamentadas), podem ser registradas em cartório. As demais continuam a ser abertas pelas Juntas Comerciais. Os investidores, quando da abertura de suas EIRELIs deverão promover estudo específico para que não venham a ser registrados atos constitutivos em repartições equivocadas, algo, aliás, que vale também para as sociedades limitadas.
Já no que tange ao aspecto tributação, as polêmicas foram afastadas quando foi possibilitado expressamente pela Lei Complementar 139/11, o ingresso das EIRELI no SIMPLES. Assim, o titular da empresa poderá escolher normalmente o regime fiscal que melhor servir às suas pretensões, desde que, cumpridos os demais requisitos legais que são exigidos.
Em uma rápida avaliação, vejo mais pontos positivos do que negativos com a criação da EIRELI. De fato, por ser nova, muitas polêmicas já foram trazidas à tona e outras ainda o serão, contudo, tenho a plena convicção que estas, na medida em que decorrido o tempo, tendem a ser solucionadas de forma a atender os interesses tanto do investidor como dos credores das empresas. Por enquanto, tem-se estabelecida mais uma opção ao empresário para que este exerça a sua atividade livremente e com alguma segurança jurídica, preceitos estes que estão insculpidos na nossa Constituição Federal e que nem sempre, são observados.
Carlos Montenegro é advogado tributarista e societarista
Sócio da Mattiuzo & Mello Oliveira Advogados Associados