Abram alas
O principal jornal espanhol El Pais, numa análise da transição Lula-Dilma, conclui que Dilma já governa sem Lula e que o que falta agora é combater a corrupção. Herdada, pois. Porque a corrupção não nasceu no governo Dilma. Eu já escrevi aqui que quase não temos tempo de assimilar um caso e já outro aparece a tirar as atenções do anterior e aliviar para quem vai passando na fila. A vez, agora, é do Ministro dos Esportes. Certamente isso não vai escandalizar os brasileiros, que já se viciaram em denúncias e vão se entorpecendo, ainda que os serviços públicos fiquem cada vez piores. Porque, afinal, o dinheiro da corrupção, que é o dinheiro dos impostos de todos, é o que paga educação, saúde, segurança, justiça, transportes.
Está marcada para o próximo feriado, o 15 de Novembro, outra manifestação nacional contra a corrupção e o desmando generalizado. Fico com medo de encarar a realidade. A última, no 12 de Outubro, foi um fiasco. Não para os que foram às marchas. Mas para os que não foram. Como eu já lembrei aqui, em apenas uma missa do Padre Marcelo, em recinto fechado, compareceram mais brasileiros que nas 25 cidades de 18 estados que realizaram manifestações de cidadania pelas ruas.
Será que estamos nos tornando um bando de cordeirinhos cabisbaixos que fingimos ser felizes? Agora mesmo metade do país engoliu o horário de verão sem ao menos contestar que o nome já é uma mentira, porque mal começou a primavera. Uma muçulmana se recusa a tirar o véu para fazer carteira de motorista e o Detran de São Bernardo do Campo ainda investiga a "discriminação". Meu amigo careca, que não tira a boina, vai tentar a mesma sorte e acusar de discriminação contra os portadores de alopécia - ao chamá-los de carecas pode se levantar a ridícula comunidade do politicamente correto para passar por cima da Constituição e censurar minha livre manifestação de pensamento.
Por isso, os políticos dizem abertamente que a opinião pública pode se lixar, uma vez que ela se lixa mesmo. Está interessada, aqui na Terra, em futebol e novela. A cidadania murchou. Nos falam de aquecimento global e todos acreditamos sem contestar que a Terra, ao contrário, está esfriando. Lembram-se do menino João Hélio, arrastado até a morte pelas ruas do Rio? Convocaram uma passeata. Foram 500 pessoas. Era Carnaval. Adiar o carnaval para marcar o protesto? Nem pensar. 50 mil estavam na Marquês de Sapucaí. Abram alas que o Rei Momo vai passar.
Alexandre Garcia é jornalista em Brasília