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Quarta - 22 de Junho de 2011 às 21:27
Por: Silio Boccanera

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Silio Boccanera é articulista político e escreve em A Gazeta
Silio Boccanera é articulista político e escreve em A Gazeta
Nova explosão financeira internacional, ao estilo da que arrastou o banco americano Lehman Brothers em 2008 - e o resto mundo em seguida - ameaça abalar os mercados como resultado da turbulência que sacode a Grécia e já desperta medo de se espalhar pelo emaranhado de ligações com o resto da Europa e mesmo além.

O problema não é só grego, porque governos, bancos, corretoras, empresas privadas e indivíduos de vários países se envolveram na Grécia via empréstimos ou compras de títulos da dívida grega, emitidos por um governo cada vez mais sedento de recursos para cobrir suas necessidades de caixa, pois há tempos gasta mais do que arrecada e já acumulou dívida superior a uma vez e meia seu Produto Interno Bruto. Resultado: a Grécia deve hoje mais de 300 bilhões de euros e não tem condições de pagar os credores. Já recebeu ajuda extra dos países vizinhos e do Fundo Monetário Internacional para ir pagando as prestações, mas não consegue criar os mecanismos que gerem renda para saldar o que deve e enfrenta vencimentos em curto prazo.

Os papéis emitidos pelo governo de Atenas não valem nada no mercado, porque investidores se recolhem diante do risco, avaliado por uma das multinacionais especializadas nesta tarefa no baixo nível de CCC (a sólida Alemanha é AAA), o que basta para proibir algumas instituições de comprá-los, mesmo a juros altos.

A Grécia vai falir, garantem economistas mais pessimistas (ou realistas?), como os premiados com o Nobel de Economia Joseph Stiglitz e Paul Krugman, além do conceituado analista israelense baseado em Nova York Nouriel Roubini, famoso por ter previsto a explosão da bolha financeira de 2008.

Bem verdade que países soberanos não chegam a ‘falir’, como empresas privadas, que fecham as portas e desaparecem, mas isso é apenas sutileza de linguagem, porque entram em moratória, param de pagar as dívidas, entram em default, que é a mesma coisa com nome mais sofisticado.

Ao reconhecer publicamente que não podem mesmo pagar a dívida - até com empréstimos tapa-buraco - deslancham um mecanismo de ‘salve-se quem puder’ entre os credores, cada um querendo receber o seu pedaço do bolo. Alguns conseguem negociar descontos (curiosamente chamados de haircut ou corte de cabelo) ou esticadas no prazo (‘reperfilagem’, termo extraído de cirurgia plástica), para ao menos não deixar secar a fonte.

Na pior das hipóteses (ocorreu na Argentina em 2001), o governo devedor diz: não pago e acabou-se. Ou então, com mais sutileza: só pago uma percentagem bem pequena do devo; aceite ou vá passear. Esta semana mesmo, o ministro das finanças da Irlanda assustou o mercado quando disse que ia exigir descontos na dívida de seu país porque, segundo Michael Noonan, ‘o contribuinte irlandês não pode assumir o custo de resgatar pelo valor de face o que se tornou um investimento especulativo’. Em outras palavras: meus papéis não valem nada mesmo, por que vou pagar ao portador um valor que não real?

O dilema no momento em relação à Grécia é que o país está à beira de pedir água, mas forças poderosas lutam para não renegociar e assim continuar levando a ficção contábil de que o débito está sendo ‘servido’. Como um ciclista que segue pedalando porque, se parar, pode cair.

À frente da resistência a uma renegociação de prazos ou descontos está o Banco Central Europeu (criado após a adoção da moeda única da região, o euro, que substituiu o velho dracma grego), que tem em caixa bilhões de euros em títulos da dívida do governo grego. O BCE e seu diretor intransigente, Claude Trichet, não divulgam o valor exato desse ‘mico’, mas economistas e corretores europeus estimam o total em torno de 100 bilhões de euros.

Além disso, o BCE forneceu garantias a outros bancos centrais europeus para que também comprassem títulos gregos que o mercado privado relutava em adquirir. Aí começa o emaranhado financeiro, que envolve ainda bancos privados com títulos gregos em carteira e governos que emprestaram a Atenas. Ou seja, ao falir a Grécia, o rei fica nu.

Para usar outra metáfora, com o default assumido, a lama atinge o ventilador, e parte dela vai sujar de imediato os companheiros de infortúnio financeiro na área do euro: Portugal e Irlanda, que atravessam dificuldades semelhantes. São países pequenos, mas o efeito cumulativo - sobretudo o emaranhado de investimentos além-fronteira - é significativo. Mais ameaçador ainda se a lama chegar à Espanha, que tem uma economia de mais peso e já desperta suspeita de caminhar para o mesmo buraco dos vizinhos em pleno sufoco. A esperança dos muito otimistas (ou sonhadores?) é de que os empréstimos-tampão ainda em discussão e outros já aprovados pelo FMI, pelo BCE e por governos europeus acabem produzindo resultados palpáveis de recuperação econômica, com menos gastos públicos e mais arrecadação de impostos. Toda essa bonança viria de programas de austeridade impostos como condição para conceder mais recursos.

O problema é que a austeridade já adotada até agora na Grécia, Irlanda, Espanha e em Portugal só tem resultado em mais aperto, desemprego (16% na Grécia, 20% na Espanha, acima de dez em Portugal e na Irlanda), queda de produção, esfriamento da economia, menor arrecadação. Quer dizer, o arrocho não criou mecanismos para permitir ao estado sair do buraco.

Os insatisfeitos com esse processo são os que tomam as ruas de Atenas agora, em confrontos violentos com a polícia ou concentrados na belamente denominada Praça Sintagma, onde fica o Parlamento. São também os que ocuparam e forma pacífica e bem-humorada a Puerta del Sol, em Madri, durante quase um mês e que espalharam o nome já internacionalizado de “los indignados”.

Outras capitais europeias aguardam sua vez de montar o ritual de protesto, com estilo local e inspiração na revolta já chamada de primavera árabe. Com a aproximação do verão europeu, a temperatura promete esquentar.

Silio Boccanera é articulista político e escreve em A Gazeta às segundas-feiras. E-mail: lou.alves@uol.com.br



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