Conflitos de gerações
Outro dia, em um dos locais mais movimentados da Capital, dois senhores conversavam animadamente. Falavam de um tudo. Principalmente a respeito da criação dos filhos. Hoje, segundo eles, "tarefa dificílima". Ambos se queixavam de não ser compreendidos por quem doam boa parte do tempo, abrindo mão inclusive de algumas de suas necessidades para se dedicarem na educação dos rebentos.
Essa tarefa, o de criar e/ou de educar, na verdade, foi, continua sendo e será sempre bastante complicada. Principalmente em função do conflito e das tensões entre gerações - e por que não dizer familiar. Identificada há muito tempo. Pais reclamam dos filhos, e estes fazem o mesmo com relação aos seus genitores. Pouquíssimos deles, entretanto, provocaram uma conversa franca a respeito de suas diferenças. Muitos preferem recorrer às cartas ou e-mails para manifestarem seus descontentamentos. Acontece que a quase totalidade dessas correspondências não foi enviada aos seus destinatários. A mais famosa delas, por exemplo, traz a assinatura de Franz Kafka - considerado um dos maiores escritores do século, a despeito de sua morte - endereçada ao seu pai, Hermann Kafka, um comerciante judeu. Kafka a inicia confessando ter medo do pai, "e a motivação deste medo intervém tantos pormenores, que mal poderia reuni-los numa fala". Mesmo que venha a ser por escrito, "porque também ao escrever, o medo e suas consequências me inibem diante de você e porque a magnitude do assunto ultrapassa de longe minha memória e meu entendimento".
A partir desse momento, ele passou a enumerar uma a uma de suas angústias, amarguras, tristezas e sentimentos que a figura paterna lhe proporcionava. Sentimentos costumeiramente revividos por todos os filhos, tanto dos períodos anteriores como posteriores ao de Kafka. No romance de Pascal Mercier, "Trem noturno para Lisboa", Amadeu do Prado também por carta que nunca foi enviada, reclama da inacessibilidade do pai. "Por que o senhor não aprendeu a falar sobre si e os teus sentimentos? Vou lhe dizer: o senhor foi comodista demais, era tão maravilhosamente cômodo esconder-se atrás do papel de chefe de família aristocrático", sem deixar de sublinhar a decepção com a mãe, por esta não ter obrigado o pai "a conversar conosco em vez de ser apenas um monumento de advertência?"
Os pais também têm suas queixas, embora nunca as façam diretamente para os filhos. O pai de Amadeu Prado, um renomado juiz, se contentou em registrá-las, além de lamentar: "Como é difícil para um pai se firmar diante dos filhos! E como é difícil suportar a ideia de que nos inscrevemos em tuas almas com todas as nossas fraquezas, e nossa cegueira, nossos equívocos e a nossa covardia!" Para mais adiante afirmar: "Por vezes, meu filho, e cada vez mais, me parece que és como juiz arrogante que me censura", e, logo em seguida, se deixar levar por perguntas. "Como teria eu podido te explicar a minha orgulhosa inveja? Sem me apequenar mais ainda ...?
Situação que pode ser manifestada ou latente. E a forma de lidar com ela "pode variar de modelos autoritários e intolerantes", nos quais predomina "um relacionamento adultocêntrico", de "opressão e silenciosamente"; como pode igualmente ser "democrático e de respeito pelas diferenças", e mesmo de "valorização da crise", quando o modo preferencial de lidar com as dificuldades "é pelo entendimento, pela linguagem, pela conversa". É esta a melhor de todas as fórmulas, embora um tanto difícil de botá-la em prática. Porém, os erros são cometidos com intuito de acertar.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: lou.alves@uol.com.br