Toque de Alerta - toquedealerta.com.br
Geral
Domingo - 22 de Março de 2015 às 21:24
Por: José de Paiva Netto

    Imprimir


José de Paiva Netto — Jornalista, radialista e escritor.
José de Paiva Netto — Jornalista, radialista e escritor.
A inevitável miscigenação humana constitui-se num fato de proporções globais. Vários estudiosos afirmam que, cada vez mais, diminui no planeta o conceito de raça pura. Um exemplo dessa constatação vem dos Estados Unidos, que criaram um item no seu censo para contemplar os mestiços que compõem significativa parcela da população norte-americana. Por isso, a pergunta que lancei no artigo “O Abolicionista Divino”, na página 149 de meu livro Crônicas & Entrevistas. Desde a monera, quem não é miscigenado neste mundo? Aqui no Brasil, essa realidade não é outra: a Folha de S.Paulo publicou, em abril de 2000, o resultado de pesquisas feitas a partir do DNA, abrangendo 200 homens e mulheres brancos, de diferentes regiões e origens. O estudo concluiu que, num grupo de 100 pessoas brancas, somente 39 têm exclusiva linhagem europeia. Os demais indivíduos carregam a marca da miscigenação: 33% de índios e 28% de africanos.

Mesmo a Europa teve, em várias ocasiões de sua história, toda ordem de imigrantes, escravos e invasores a exemplo dos hunos, povo da Ásia Central, que invadiu o continente sob a liderança de Átila, em meados do Século V, infligindo graves derrotas e submetendo a tributo os imperadores de Roma e de Constantinopla, além de devastar a Gália e atravessar a Germânia, região onde surgiria, séculos depois, Hitler (1889-1945), que, com base na falsa ideia de raça ariana pura, chacinou milhões de judeus, ciganos, eslavos e deficientes. Teriam ficado os invasores dos territórios germânicos em estado permanente de castidade? Ou deixaram lá a marca étnica em decorrência do cruzamento inter-racial, após tantos séculos diluído? Lembremo-nos da famosa “mancha mongólica”.

Não há como indefinidamente impedir as revoluções sociais e raciais

Vai ficar difícil abrir mão da Humanidade, como parece que alguns radicalmente pretendiam fazer com a nova globalização: mais produtos e menos operários produzindo.

Marcante exemplo é o da União Europeia, com seus arroubos de xenofobia, menos para turistas... Ela está constatando a contingência de ter de “importar” gente, ainda que, em certos casos, por curtos períodos, para realizar serviços de que os seus nativos dolicocéfalos não mais querem saber e para suprir as necessidades de uma população que está envelhecendo. Alguns já vivem arrepiados com os “perigos” da mistura étnica. Contudo, empresários e políticos já sentem como fatalidade histórica a presença dos “estrangeiros”, principalmente os de pele diversa.

Não há como indefinidamente impedir que revoluções sociais e raciais dessa grandeza se realizem.

Na atualidade, de certa forma vemos repetir-se, em direção inversa, mas talvez de maneira mais dolorosa, o fenômeno da imigração. Antes a onda era da Europa e da Ásia para a América. Resumindo: italianos, japoneses, alemães, judeus, árabes, ibéricos, para a do Norte e a do Sul, somando-se irlandeses e chineses para a Setentrional. E não desembarcaram aqui e lá, na imensa maioria, como senhores, porém como servidores braçais. Pelo sacrifício e suado labor, subiram ao topo.

Recordo-me de uma afirmação do filósofo do Positivismo, Augusto Comte (1798-1857), cujo pensamento tanta influência exerceu sobre os fundadores da República Brasileira, a começar por Benjamin Constant (1836-1891): “O Homem se agita e a Humanidade o conduz”. É isso aí.

Ufa!

Hoje, os imigrantes, legais ou não, também largam seus países, deixando tradições e amores para trás, por necessidade premente. No caso norte-americano, prossegue a chegada ininterrupta, superando as barreiras que lhes são antepostas, de “hispânicos”, em grande quantidade mexicanos, que, com o passar do tempo, estão criando status. Milhões já podem votar. E o número não é pequeno, e não cessa de crescer, até mesmo por força de sua alta taxa de natalidade. Há, igualmente, a presença dos cubanos, em Miami. Tornaram-se, por lá, uma força ponderável. Em Nova York, conforme as notícias divulgadas em 2000, 40% de seus habitantes vieram de 167 países e falam 116 idiomas. Ufa! Realmente, o criador do Comtismo estava certo.

“O mundo irá misturar-se como um oceano”

Durante uma fase de minha infância, estudei no Colégio São Francisco de Sales, da ordem de Dom Bosco. Todavia, o tempo foi bastante para tornar-me um dos muitos admiradores do respeitado educador de Turim. Erigiu uma pedagogia com louvável benefício para os seus biricchini, jovens largados na vida em uma Itália pobre, que se unificava sob a batuta da astúcia diplomática (será redundância?) do Conde de Cavour (1810-1861), da pertinácia de Mazzini (1805-1872), do espírito aguerrido de Garibaldi (1807-1882).

Dizia o célebre taumaturgo nascido em Becchi:

— “Um grandioso acontecimento se está preparando no céu para fazer pasmar as gentes. (...) Far-se-á uma grande reforma entre todas as nações, e o mundo irá misturar-se como um oceano”.

Para os que me leram até aqui, porventura com um sorriso de condescendência, exponho este alertamento de Cícero (106-43 a.C.), orador e político romano, a respeito de que nem as comunidades mais requintadas e cultas desprezam o dom da profecia. Além disso, no campo laico, economistas fazem previsões que não se concretizam, analistas vaticinam reações da sociedade e se equivocam. E, se entrarmos no campo do esporte, então...

O Brasil é uma grei globalizante

Volvendo os olhos para o nosso país, repleto de descendentes de imigrantes e, também, de migrantes esperançosos de que finalmente sejam integrados no melhor do seu tecido social, confirma-se a evidência de que possui um dos mais extraordinários povos do orbe, e com características privilegiadas, em virtude de sua formidável miscigenação. É uma grei... globalizante...

Pietro Ubaldi (1886-1972), filósofo italiano, aqui chegado no início da década de 1950, soube ver o que outros começam a perceber agora:

— “O Brasil é a terra clássica da fusão de raças, é o melting pot em que tudo se mistura. E sabemos que a natureza se regenera na fusão de tipos diversos, ao passo que o princípio racista isolacionista é antivital”. (...)

Apesar da inópia à espera de ser definitivamente exorcizada, na Terra de Santa Cruz subsiste a grandeza que lhe tem permitido manter o milagre de sua unidade geográfica, idiomática, e expresso na capacidade de sobreviver.

Ah! A extrema violência de hoje?! Será que a culpa é do povo ou da senzala que não foi de todo desmontada? É da globalização? Antes foi do quê? Com a palavra, o matemático germânico Leibniz (1646-1716):

— “Sempre tive por certo que, se reformássemos a educação da mocidade, conseguiríamos modificar a linhagem humana”.

Mas em que bases? Hitler (1889-1945) também queria alterá-la... O escritor francês Montaigne (1533-1592) nos oferece a resposta:

— “Cuidamos apenas de encher a memória e deixamos vazios o entendimento e a consciência”.

Isto é, além de instruir, urge ecumenicamente espiritualizar a grei globalizante, que singulariza um caminho novo para o mundo. Quem viver verá! O sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) proclamava que “o Brasil precisa descobrir o Brasil”.

(Artigo publicado no livro Crônicas & Entrevistas, de Paiva Netto, lançado pela Editora Elevação em 2000.)

José de Paiva Netto — Jornalista, radialista e escritor.
paivanetto@lbv.org.brwww.boavontade.com



URL Fonte: https://toquedealerta.com.br/artigo/64/visualizar/