Abismo e desempenho
Na quarta-feira (15) os parlamentares federais deram exemplo de presteza e de dedicação. Não houve trancamento da pauta, nem falta de quórum. A votação foi estendida para o bem dos trabalhos. Também, pudera, o projeto era digno de tamanho empenho. Pois se tratava do reajuste de seus próprios salários, assim como do presidente e do vice-presidente da República.
"Advogaram, portanto, em causa própria", diria o leitor. Aliás, diriam todos, ou quase todos os brasileiros. Mas não se pode deixar de reconhecer que os deputados federais e senadores deram mostra de que uma matéria - em razão da sua importância - pode, sem dúvida nenhuma, ser aprovada rapidamente. Basta, então, ter a chamada "vontade política". Esta se encontra intimamente ligada às necessidades imediatas dos parlamentares ou dos grupos, com os quais eles têm afinidade. Ainda que não seja a vontade do grosso da população. Até porque quando diz respeito ao interesse da imensa maioria da sociedade, a matéria demora a "aparecer na pauta de votação", e, ao aparecer no plenário, mesmo assim, ela, a matéria, corre sério risco de ficar "empacada".
Ao contrário, portanto, do que se viu na dita quarta-feira. O reajuste de salário dos parlamentares e do presidente e do vice foi aprovado "em menos de 10 minutos de discussão". Da Câmara Federal, a referida matéria foi encaminhada imediatamente ao Senado, onde os senadores a apreciaram no mesmo dia, e com a mesma rapidez.
Essa pressa deve ser explicada pela relevância do objeto em discussão. Afinal, não "é justo" que os integrantes do Executivo e do Congresso Nacional continuem com subsídios defasados, "bastante aquém do que, de fato, merecem", além de muito distanciados ao dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Daí a necessidade dos congressistas em elevar seus vencimentos, com intuito de equipará-los aos dos integrantes da Suprema Corte. Um "reajustezinho" de 61,8%, enquanto os do presidente do país e do vice-presidente foram aumentados em 133,9% em relação ao atual salário de R$ 11,4 mil.
Presente de Natal que, também, se estenderá aos deputados estaduais, conforme o parágrafo 2º do artigo 27 da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte: "O subsídio dos deputados estaduais será fixado por lei de iniciativa da Assembleia Legislativa, na razão de, no máximo, setenta e cinco por cento daquele estabelecido, em espécie, para os deputados federais, observado o que dispõem os arts. 39, parágrafo 4º, 57, parágrafo 7º, 150, II, 153, III, e 153, parágrafo 2º, I. (Alterado pela EC-000.019-1998)". Reajuste que, igualmente, se estenderá aos vereadores, sempre de acordo com a Carta Magna, no seu artigo 29, inciso VI: "o subsídio dos vereadores será fixado pelas respectivas câmaras municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos".
Esses aumentos não são automáticos, uma vez que dependem de projetos nos legislativos, sem, contudo, serem aplicados para a mesma legislatura. O que significa que a Assembleia Legislativa tem até o final deste ano para aprovar reajustes para os deputados estaduais que tomarão posse no início de 2011, e as câmaras municipais só poderão aprovar esse aumento no final de 2012, valendo para os que tomarão posse no início de 2013.
De todo modo - e isso é inegável - ocorrerá o efeito cascata. O que, por outro lado, cresce o abismo entre o Parlamento e a sociedade. Sobretudo quando se percebe o tamanho dos reajustes que, somado com uma série de outros gastos e benefícios dos parlamentares, cairá sobre as costas dos contribuintes.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço, às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: lou.alves@ol.com.br