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Segunda - 08 de Novembro de 2010 às 14:48
Por: Romildo Gonçalves

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Romildo Gonçalves é Biólogo, Mestre em Educação e Meio Ambiente, Especialista em Queima controlada
Romildo Gonçalves é Biólogo, Mestre em Educação e Meio Ambiente, Especialista em Queima controlada

Tudo o que existe no universo físico está em contínua transformação, evoluindo em ciclos ou períodos de duração variável. O mesmo ocorre com os seres vivos. Desde que apareceram os ambientes habitáveis, estes vêm sendo ocupados por espécies animais e vegetais que se sucedem ecologicamente em equilíbrio dinâmico. Segundo as leis do fluxo/refluxo e dissipação de energia na dinâmica da vida. O declínio, ou mesmo a extinção de certas espécies, tantas vezes documentadas pela paleontologia, decorreram certamente de transformações, verificadas nesses mecanismos, motivadas por mudanças relativamente rápidas de variáveis físicas, químicas e biológicas nos ecossistemas naturais sem a interferência humana. Com o surgimento da espécie humana na terra, e em todo o decorrer da história evolutiva das civilizações, o peixe tem servido como base alimentar para a humanidade. Essa importante fonte de proteínas muito saborosa é conhecida e consumida no mundo inteiro. Assim sendo, sua conservação e preservação deve ser respeitada por todos, especialmente no sagrado período de procriação ou no período da piracema.

Nesse curto período de renovação da vida dos peixes devemos evitar praticar esportes aquáticos radicais, não pescar nesse período, não alterar o curso das águas, leito de rios, pois só assim a vida perpetuará naturalmente. Este fantástico fenômeno da natureza, conhecido comumente como piracema, acontece normalmente no período que vai de novembro a fevereiro na maior parte das bacias hidrográficas brasileiras. Nesse período os rios, córregos e vazantes estão com o nível das águas em elevação, com a cor da água amarronzada e aquecida pelo sol, e é exatamente nesse momento que os cardumes detectam as mudanças e sabem que chegou a hora. Aí então um radar infalível, chamado sistema nervoso central, decodifica essas mensagens traduzindo-as numa ordem única, subir, saltar e vencer as corredeiras rio acima, entregando-se a um duelo orgástico com as águas, até atingir a explosão da desova. Para o cientista Manoel de Godoy, profundo conhecedor da ictiofauna brasileira, "o ser humano precisa entender e respeitar o impulso irresistível da piracema e os requisitos para que ela continue a existir".

Fazendo um paralelo, ao estudar o ecossistema aquático, percebe-se que lá existe uma casa muito bem organizada, com dois locais muito especiais, o primeiro da alimentação, onde por um determinado período os peixes permanecem se desenvolvendo fisicamente, se preparando para a multiplicação da vida. O pantanal mato-grossense, com suas baías, é um bom exemplo. O segundo ambiente é o local da reprodução propriamente dito, para onde os cardumes se deslocam para procriarem. São as cabeceiras dos rios, as partes altas, com águas movimentadas, bem oxigenadas, onde estimulados por instintos naturais sabem que lá a probabilidade de aumentar a prole é muito maior. Todavia para que tal fenômeno possa acontecer naturalmente a sábia mãe natureza prepara seus filhos, sem esquecer o menor detalhe. Se não vejamos: para que a desova se faça com sucesso, é preciso que o ambiente - água - apresente as seguintes características: nível dos rios em elevação, temperatura da água entre 22 e 28 graus, ph entre 7 e 7,4 (não ácido), transparência inferior a 10 cm, gás carbônico inferior a 20 PPM, horário propício para que ocorra a desova entre 16 horas e 17 horas.

No período que antecede a piracema o ovário maduro representa 24% da massa corpórea nas fêmeas, e os testículos maduros representam 15% do peso corpóreo nos machos. Nesse período eles armazenam 20% de seu peso em gorduras, que serão gastas ao se deslocarem rio acima, até atingirem seus objetivos. Como se não bastassem os problemas de cunho estritamente naturais para perpetuarem a vida, eles ainda enfrentam oscilações climáticas, temperaturas extremas, parasitas, barreiras naturais "cachoeiras". E mais intensamente a interferência humana via poluição ambiental. Exemplo produtos químicos de toda sorte, mercúrio, agrotóxicos, esgoto doméstico, esgoto industrial in natura, assoreamento, construção de barragens, pesca predatória, fiscalização pública ineficaz, falha na legislação. Tem razão o Dr. Manuel de Godoy, "é preciso respeito para com a vida". Penso que realmente falta sensibilidade ao ser humano, em apreciar tudo isso. Pois é muito difícil, quase impossível, inventar uma força reprodutiva tão irresistível, tão determinada e tão bela, quanto a arribação selvagem e serena do dourado, do pintado, da piraputanga, do curimbatá, e tantos outros, em duelo pela perpetuação da vida nos córregos, rios e cachoeiras do nosso país. A partir de novembro de 2010 começa nos rios mato-grossenses o período de defeso, o período de renovação e perpetuação da vida. Portanto, tenha o mínimo de dignidade enquanto ser humano, e não pesque nesse período! Respeite a vida na sua plenitude.

Romildo Gonçalves é biólogo, mestre em Educação e Meio Ambiente, perito em fogo florestal e professor da UFMT e Seduc. E-mail: romildogoncalves@hotmail.com


 


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