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Terça - 15 de Junho de 2010 às 08:52
Por: Alexandre Garcia

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Alexandre Garcia é articulista político e escreve às terças-feiras em A Gazeta.
Alexandre Garcia é articulista político e escreve às terças-feiras em A Gazeta.

Já está em vigor a Lei da Ficha Limpa. Foi o primeiro projeto de iniciativa popular, com 1,6 milhão de assinaturas. Teve apoio da Igreja, de ONGs, da OAB e de muitas outras entidades civis. Ficou engavetada na Câmara, até que o grito da opinião pública puxou as orelhas do candidato a vice de Dilma, o presidente da Casa, Michel Temer. Aí, andou, empurrado pelas eleições. Mas foi emasculado; perdeu toda a sua potência inicial e, mais do que isso, como num golpe de jiu-jítsu, os políticos se aproveitaram do projeto para alavancar o agressor, jogá-lo no chão e ainda usá-lo como alforria.

Na Câmara, alteraram o projeto original para considerar que só vale para quem for condenado por um colegiado de juízes, isto é, a sentença de um juiz singular condenando alguém por estelionato ou falsidade ideológica é considerada nula, embora baseada em provas materiais. E, mesmo condenado por colegiado de juízes, ainda haverá recurso... Quer dizer, ficou tudo como dantes. Mas o pior ainda estava por vir. No Senado, Francisco Dornelles, do Rio de Janeiro, mudou o tempo do verbo. Onde se lia "são inelegíveis os condenados...", o senador, que é do partido de Paulo Maluf, mudou para "são inelegíveis os que forem condenados". O que era passado foi para o futuro e - bingo! - Maluf se viu livre da inelegibilidade. Mais do que ele, todos os que já foram condenados ganham certidão negativa da lei, porque, afinal, o passado não vale. A lei da ficha limpa anistiou os fichas sujas.

Acaba-se, assim, tristemente, uma boa ideia, de iniciativa popular, essencialmente democrática. Com um golpe dado no Congresso. A lei foi mudada pelo Senado em algo essencial e não voltou para a Câmara, como manda a Constituição. Foi direto para a assinatura do Presidente da República, que a sancionou e a pôs em vigor, publicando-a no Diário Oficial. Pronto! Feita a lavagem das fichas-sujas. Houve uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral, que pode se pronunciar nesta semana, mas a língua portuguesa é clara: "os que forem" é futuro do subjuntivo. Só se refere aos que forem condenados de agora em diante. Os já condenados podem continuar na política.

Parece que nos julgam anencéfalos. Porque a mudança contraria o conceito essencial do que seja ficha suja. Ficha suja é sempre passado. Ninguém pode ser ficha suja no futuro, porque o futuro não existe. Alguém é ficha suja no presente, porque cometeu alguma desonestidade no passado, ora bolas! Assim, vai caber a nós, eleitores, julgá-los. Como, aliás, cabe sempre. Não podemos transferir esse poder para um juiz eleitoral. O poder de julgar é nosso, absoluto e arbitrário, no tribunal da urna. Nem deveríamos depender de leis de ficha suja. Essa intenção seria fácil de pôr em prática se os partidos nos dessem opções. Mas temos poucas. Inclusive se votamos nos fichas limpas das listas partidárias, no voto proporcional pode não se eleger o nosso ficha-limpa e nosso voto ajudar a levantar o voto de legenda e eleger ficha suja. Vida triste essa de eleitor brasileiro. Desrespeitado até quando apresenta um projeto de lei para moralizar.

Alexandre Garcia é articulista político e escreve às terças-feiras em A Gazeta. E-mail: alexgar@terra.com.br



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