A Lei Moro
Tudo aquilo que se temia começa a acontecer no Brasil em uma velocidade que traz perplexidade para alguns, e que a outros os efeitos somente serão sentidos quando eventualmente for tarde demais. O abuso identificado em algumas instâncias do sistema de Justiça, o descarado engajamento de juízes e promotores nas lides eleitorais e partidárias, está gerando um monstrengo jurídico no Congresso Nacional.
Para compreender, busco inspiração na física, exatamente na Terceira Lei de Newton. Para ele, toda interação, na forma de força, que um corpo “A” aplica sobre um corpo “B”, dele “A” irá receber uma força de mesma direção, intensidade e sentido oposto.
Tanto fizeram de abuso dos mais variados, atacando liberdades civis e processuais, que o Congresso Nacional votará as tais 10 medidas contra corrupção, algumas das quais são absurdas (mas com mudanças ficam ainda piores). Junto com o pacote o legislador atacará os abusos de autoridade, podendo gerar algumas situações absurdas, e já há gritas contra os altos salários de juízes e membros do MP. Esta última medida merece meu apoio.
Da proposta inicial das tais “10 medidas”, inicialmente haviam 17 pontos e que agora foram reduzidas a 12, só estão sendo apreciadas pelos parlamentares porque a proposta foi à Câmara com o apoio de mais de 2 milhões de assinaturas. Todavia a Lei da Ficha Limpa tinha apoio de 4 milhões de pessoas, e teve uma dificuldade enorme para ser aprovada pelos congressistas.
Entre as modificações, foi retirado o item que dizia sobre a ação popular e o ponto que regulamentava os acordos de cooperação internacional, isso porque há conflitos entre o MPF e a Polícia Federal sobre as equipes de coordenação das cooperações, e quem pode conduzir as tratativas.
Foi remetida para outra norma a questão do Fundo de Combate à Corrupção e houve mudanças no chamado “teste de integridade”. O teste não poderá ser mais a única prova para condenação (de pessoa jurídica), servindo apenas para efeito de sanção administrativa.
O crime de responsabilidade para magistrados e membros do Ministério Público continuou fora do relatório, todavia o tema será tratado fora do pacote das “10 medidas”. Está em curso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 291 e que trata desse assunto.
Foi retirada a permissão do uso da prova ilícita e a prisão preventiva com objetivo de recuperar recursos, mas mantem-se a sanção pelo enriquecimento ilícito, e a criminalização do eleitor que vende seu voto, além da proposta de acordo de leniência e o “reportante do bem”, nesse caso quando uma pessoa denuncia o crime, mas não tem envolvimento com o ato ilícito.
O fato é que, mesmo endurecendo as penas para alguns delitos, deve ser aprovada a criminalização da atuação de alguns juízes, promotores e delegados de polícia. A proposta prevê pena de um a quatro anos de prisão, além do pagamento de multa, para delegados estaduais e federais, promotores, juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores que ordenarem ou executarem “captura, detenção ou prisão fora das hipóteses legais”.
A proposta de lei também prevê punição para a autoridade que recolher ilegalmente alguém a uma carceragem policial e deixar de conceder liberdade provisória ao preso – com ou sem pagamento de fiança – nos casos permitidos pela norma penal.
Há um avanço: pena de um a quatro anos para a autoridade policial que constranger o preso, com violência ou ameaças (tortura), para que ele produza provas contra si mesmo ou contra terceiros.
E por fim, deve ser aprovada a anistia ampla, geral e irrestrita para os criminosos da lava jato, o que comprova que a massa de pessoas que foram às ruas em defesa do golpe (travestido de impeachment) era somente uma “massa de manobra”.
Depois de extinguir o órgão de combate à corrupção que mudou a gestão pública brasileira, a Controladoria Geral da União (CGU), os golpistas irão perdoar todos os criminosos. Isso gera a desconfiança que as panelas que eram “batidas” nos bairros ricos, os “amarelinhos” revoltados, usando a camiseta da CBF, eram apenas simulação, nada havia de fato contra a corrupção e os malfeitos.
Impossível não lembrar de Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
Vilson Nery é advogado em Mato Grosso e membro do MCCE (Movimento Cívico de Combate à Corrupção Eleitoral).