Lourembergue Alves
O público extensivo ao privado
Uma demissão, assim como é a admissão, deveria ser um ato normal, corriqueiro dentro do governo. Independentemente de sua esfera, pessoas saem, enquanto outras são empossadas nos lugares das que se foram. Isto acontece. Mas o pedido de demissão do agora ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, tirou o véu de um retrato antigo, e que muitos teimam em escondê-lo. Mas ele, o dito retrato, se encontra na administração pública como algo institucionalizado. Resultado da própria formação do Estado brasileiro. Pois tem gente que se aproxima do governo, demonstra interesse em servir, quando, na verdade, vale-se do posto, do cargo para defender seus interesses pessoais.
De acordo com o que se publicou, e vem sendo veiculado pela imprensa, Marcelo Calero, diplomata de carreira, não aceitou que a sua gestão estivesse a serviço de particulares, e não da coletividade. Embora tenha sido pressionado do contrário. E, de acordo com o próprio ex-ministro, ele foi pressionado por um colega, ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima. Este esteve por cinco vezes em seu gabinete com o fim de convencê-lo a intervir no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional), e, desse modo, retirar o processo de embargamento de um prédio residencial em área tombada de Salvador. Geddel Vieira tem um apartamento neste prédio, e dois ou três de seus parentes advogam para a empresa do tal empreendimento imobiliário.
Cabe, aqui, uma observação: o Iphan - órgão subordinada ao Ministério de Cultura -, conforme a Instrução Normativa número 1, publicada em março de 2015, permite-lhe participar da análise de licenciamento de obras. Há, de acordo com a imprensa, um projeto assinado pelo mato-grossense e deputado federal Nilson Leitão, que defende o sustamento ou o fim desta prerrogativa do dito Instituto, sob o argumento frágil de que o Iphan contribui para com o ‘excesso de burocracia e a morosidade do procedimento‘. Projeto que favorece os interesses do ministro Geddel Vieira Lima, que chegou a conversar com este parlamentar, embora tenha sido elaborado para beneficiar o agronegócio. O que reforça a crença de que ocorreu a pressão deste ministro para com o ex-ministro Marcelo Calero.
Este preferiu, no entanto, sair-se da chefia da pasta da Cultura. Não sem antes confessar a imprensa o motivo de sua demissão, acusando Geddel Vieira de tê-lo pressionado a produzir um parecer técnico para favorecer seus interesses pessoais. Acusação, caso seja comprovada, é gravíssima, além de reveladora. Revela um exemplo de uso do público utilizado como extensão do privado. E, por outro lado, revela também o quanto o governo se encontra na condição de refém. Refém e preso em uma redoma que ele próprio ajudou a construir, com compras de votos de parlamentares, dívidas de favores a políticos e a partidos políticos.
Situação que bem poderia ser outra. Caso o presidente tivesse tomado, logo nas primeiras horas, a atitude de afastar ou exonerar o ministro da Secretaria de Governo. O não afastamento deixa à mostra a situação de refém do governo. Mesmo que a Comissão de Ética da Presidência da República aprove o procedimento investigativo, e aja punição para o Geddel Vieira, não mudará o quadro exposto. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: lou.alves@uol.com.br.