Claudinet Coltri Junior
Como o goleiro na hora do gol
Como dizia Belchior, o que se repercute, sempre, na hora do gol, é a alegria. Mas, para que isso aconteça, há o outro lado, a tristeza, a angustia do perdedor. Por isso ele escreveu o verso: "estava mais angustiado que o goleiro na hora do gol". Assim fiquei domingo, ao saber que o poeta levaria felicidade ao céu, mas, quem o admirava aqui, estaria desse outro lado, como o arqueiro, triste, ao ver a sua passagem.
Belchior era um poeta à frente do seu tempo. Ele cantou, na década de 70, o que viveríamos fortemente a partir dos meados dos anos 90: mudanças num ritmo muito acelerado. Alertava-nos sobre fazer, fazer, fazer e continuar vivendo como os pais; sobre o poeta baiano que dizia que tudo era divino, maravilhoso, mas, que em suas andanças, nenhum de seus amigos acreditava mais nisso (tudo muda, e com toda razão); falava do fim do exílio de muitos brasileiros, quando o personagem de "Tudo outra vez" ansiava por viver as coisas novas, que também são boas; já cansado do período de mordaça, queria uma balada nova, falando de brotos, de coisas assim, de money, de banho de lua, de ti e de mim; relembrava a nós, em Divina Comédia Humana, que nada é eterno; e, dentre outras, nos alertava que não sentimos, nem vemos, mas que mudanças acontecerão, que o que ontem era novo, jovem, hoje é antigo e que precisamos todos rejuvenescer; que no presente, a mente, o corpo é diferente e que o passado é uma roupa que não nos serve mais.
Belchior, também, tratou do presente do seu tempo, das pessoas simples, como um rapaz latino americano sem dinheiro no banco, sem parentes militares (trocado por importantes por conta da censura), das angústias (na parede da memória essa lembrança é o quadro que dois mais), das amarras da época (por isso, cuidado meu bem, há perigo na esquina), do pragmatismo (tudo é proibido, aliás, tudo é permito, até beijar você no escuro do cinema, quando ninguém nos vê), das conquistas (o amor, humor das praças cheias de pessoas, agora eu quero tudo, tudo outra vez) e da poesia da vida (a felicidade é uma arma quente).
Nessa nossa divina comédia humana, ainda há espaço e tempo, mas o corpo do poeta, não mais. A necessidade de dizer não (e de dizer sim, também, por que não?), ainda há, por isso, meu caro, sua obra fica, rica. Ainda te ouvimos e te ouviremos. Você ainda canta.
Claudinet Coltri Junior é professor, palestrante, consultor organizacional e educacional, professor e diretor da Nova Hévila Treinamentos.
E-mail: coltri@coltri.com.br