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Segunda - 24 de Julho de 2017 às 14:32

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Daniel Almeida de Macedo
Daniel Almeida de Macedo

Na fronteira Brasil Bolívia em Mato Grosso a comunicação entre os países é uma prática cotidiana. A movimentação transnacional de cidadãos, a comercialização de bens e serviços, e o intercâmbio cultural fazem parte da vida na região. Essa rotina pode significar um fator de desenvolvimento e ajudar no progresso e bem-estar das populações envolvidas. Mas para que essa convivência seja promissora, as políticas destinadas a garantir o controle, a segurança pública e o desenvolvimento nas localidades de fronteira devem ser eficazes. Em linhas gerais, essa foi a conclusão do relatório apresentado no dia 13 de julho pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso (AL/MT) sobre as condições de segurança e exercício da cidadania na região de fronteira.

O relatório revela que no Brasil as zonas de fronteiras têm sido historicamente avaliadas como espaços periféricos, que têm a função de áreas-tampão em relação ao restante do continente. A abordagem tem levado as áreas de fronteira a serem consideradas precipuamente a partir do enfoque da defesa e segurança, mas essa moldura conceitual sobre a qual se convencionou fixar as fronteiras brasileiras já não seria adequada para abranger a complexa realidade desses lugares, que se caracterizam por apresentar uma natureza multifacetada. Regiões como a fronteira Brasil Bolívia em Mato Grosso inspiram legítima preocupação com questões relacionadas à segurança, proteção e soberania, mas também são áreas definidas por compreender estruturas produtivas específicas, que apresentam intensa diversidade econômica, social e cultural, e, ainda, são regiões que abrigam ecossistemas com admirável biodiversidade e beleza.

Após analisar informações, índices e vetores socioeconômicos, o relatório da AL/MT revela que a região da fronteira vem crescendo economicamente na última década, e em alguns segmentos, como é o caso emblemático da pecuária extensiva, é um dos líderes brasileiros na produção. A cidade fronteiriça de Cáceres (MT) possui o 4º maior rebanho nacional. É também na cidade de Cáceres que está instalada a Zona de Processamento de Exportações (ZPE) instituída pelo Decreto nº 99.043 de 06/03/1990, que tem o real potencial de reconfigurar o perfil socioeconômico da região na próxima década. Não obstante, o relatório conclui que o crescimento econômico da região da fronteira Brasil Bolívia decorreu de um modelo de desenvolvimento desequilibrado e heterogêneo, no qual coexistem de "ilhas" de crescimento e bolsões de pobreza. Em outras palavras, a região de fronteira em Mato Grosso reproduz as características de desigualdade social que descrevem a maioria das regiões brasileiras.

Um aspecto interessante trazido à luz pelo relatório produzido pela AL/MT a partir da iniciativa do Deputado Estadual Dr. Leonardo, diz respeito à estratégia para se reduzir a insegurança na região fronteiriça. O documento demonstra que a implementação de políticas baseadas na valorização de potencialidades locais para a geração de empregos pode não apenas elevar o bem-estar social e o sentimento cívico, mas também reduzir a exposição da população às ameaças relacionadas a criminalidade. Isto porque o cidadão inserido no mercado de trabalho formal tem melhores condições para exercer livremente seus direitos individuais e se torna menos vulnerável ao assédio do crime organizado, que se materializa no cooptação para o tráfico de drogas, de pessoas, de armas, no contrabando e na lavagem de dinheiro. Assim, as estratégias de defesa e segurança devem avançar, lado a lado, com programas de desenvolvimento. Uma estratégia reforçaria as razões da outra. O ciclo combinado e contínuo de desenvolvimento e segurança na fronteira, que se reforça e se aperfeiçoa mutuamente a cada rodada, seria na visão dos pesquisadores envolvidos no estudo o melhor caminho para se alcançar de forma duradoura a justiça e a paz social.

O relatório sobre ameaças, vulnerabilidades e oportunidades relacionadas à região de fronteira realizado pela AL/MT é especialmente importante nesse momento em que a Zona de Processamento de Exportações de Cáceres ganha ímpeto e vai, paulatinamente, se tornando uma realidade. Mato Grosso tem grandes desafios a serem superados e somente conseguirá realizar essa tarefa se conhecer mais sobre a sua própria realidade.

Daniel Almeida de Macedo é doutor em História Social pela USP




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