Jeito preguiça de ser...
"O diabo sempre inventa uma maldade para quem está de mãos vazias". Quem nunca ouviu tal frase? Repetida várias vezes ao longo do tempo, transforma o trabalho em fonte de virtude. Afinal, "o trabalho dignifica o homem", ou mesmo "e sem o seu trabalho, o homem não tem honra", eternizado, em versos, por Fagner.
A axiologia burguesa, admitamos existir, embute a ideia cirurgicamente, lançando mão de uma teia sofista para apanhar os desatentos, e o são até por falta de tempo, de tempo em ócio.
Após a Revolução Industrial, o trabalhador se viu, pelo trabalho massivo e em série, confundido com as máquinas. A produção e o acúmulo de riquezas o transformaram em engrenagem de um sistema de descartes, onde o lucro de poucos se confundia, em malogro discurso, com o progresso e com a civilização.
Na década de noventa (séc. XX) operou-se uma transformação na economia americana sem precedentes, quando o número de mensagens encaminhadas por correio eletrônico superou as mensagens encaminhadas por correio tradicional. O mundo passa a caminhar sob novos paradigmas, a instantaneidade e reciprocidade trazidas pela conexão em rede transformam a todos em protagonistas da realidade que se constrói, que se maquia ou que transparece.
Na pós-modernidade, as ideias tomaram assento na cabeceira da mesa e a jornada de trabalho, somadas às suas vestais culturais, perderam espaço na teoria econômica. Esta nova economia, carregada de ócio como seu atributo imprescindível, se volta para a criação, inspiração, pensamento reflexivo. Humanizou-se a peça viva da engrenagem, humanizou-se a máquina de carne e osso: os músculos, o cérebro de quem um dia falou Chaplin - "Não sois máquinas, homens é que sois"-.
A "rede" mundial de computadores empresta o nome de nossa rede, a rede de descanso, de balanço, de momentos de lazer, leituras e ócio. Agora, essas novas máquinas, que nos interligam, devem nos restituir o tempo e liberar o homem do anonimato, mas também do trabalho desmedido, desumano.
Certo dia escreveu Henry Ford: "Quando trabalhamos devemos trabalhar, quando jogamos devemos jogar. De nada serve misturar as duas coisas. Devemos ter como único objetivo desempenhar uma tarefa e receber o pagamento devido. Quando acaba o trabalho, aí então pode começar o jogo, mas não antes" (cit. por Domenico De Masi, tradutor e organizador, in A Economia do Ócio, Paul Lafargue e Bertrand Russel).
Hoje, Ford diria outra coisa, quem sabe (?), mas não muito distante da sensação de inclusão que a internet traz. Todos opinam em tudo, pró e contra, ainda que não se saiba exatamente do que se trata (rsrsrs). Novos tempos a formatar a ideia de realidade, sim, a ideia, pois, ela mesma é percepção de cada qual.
Ainda que no trabalho, na escola ou universidade, estar-se-á em rede, não se controla isso. Já substitui o sol e a lua (comparação com trabalho e descanso), pois, a eles transcende.
E o tempo? O tempo da internet não se recorta, não se mensura; portanto, longe está de qualquer análise analítica. Terá fim? Agora, é somente metafísico, talvez endosse as coisas sublimes (Kant), pois, mesmo do juízo "a priori", escapuliu.
Mensuremos o ócio, mas o ócio "em rede" e na rede, e dele façamos realidades, destas que se compra em qualquer esquina, por qualquer vintém.
Como máquinas? Nunca mais. Engula essa, burguesia, de gosto amargo, mas de graça.
É por aí...
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO escreve aos domingos em A Gazeta (email: antunesdebarros@hotmail.com).