Gonçalo Antunes de Barros Neto
Nem só de amor, só de amar
Em "O Cultivo do Ódio", Peter Gay afirma que "Os humanos, animais beligerantes que são, cultivam seus ódios porque obtém prazer com o exercício de seus poderes agressivos. Mas as sociedades em que eles vivem cultivam o ódio precisamente da maneira oposta, sujeitando a agressão na maior parte de suas formas a um controle estrito; elas puxam as rédeas da violência antes que ela destrua tudo".
O ódio parece ter seu lugar, exatamente onde os valores ruminam em atos de honra. Durante muito tempo o "mensur", briga entre estudantes armados de sabres, foi tolerado na Alemanha. Não só tolerado, até incentivado na época da "singular" cicatriz, quem a tivesse recebia honras de homem corajoso. Para William James: "a mulher ama mais o homem quando mais enfurecido ele se mostre".
Uma cena caricata as moças esperando em casa, rezando por seu bravo, honrado e combatente, torcendo um lenço molhado de lágrimas. A metáfora, aqui, se contextualiza nos séculos XVIII e XIX.
A modernidade venceu esses conceitos, mesmo porque se sabe que poderá haver mais honra na rejeição de um combate, que se mostra de todo sanguinário e inconsequente, que em sua aceitação.
As mulheres já não esperam os combatentes, são elas as protagonistas do bom combate. Vivem-se outros valores, se aceita a axiologia como ciência e a inclusão como meta. A internet descortinou a tudo e a todos, a transparência é uma realidade.
E por que ainda persiste a violência, a corrupção, o "jeitinho", a divisão de classes, a miséria? Qual o sentido disso para a existência? A falha está na falta de reflexão?
O prático enxerga a tudo como um campo de batalha - de um lado, os do bem, de outro, os fora da lei, sem qualquer consideração sobre justiça, equidade, liberdade e igualdade-. Isto também não ajuda, somente endossa e pavimenta o desencadeamento de mais violência, desaguando em "soluções" golpistas, fraticidas, que só oprime e mantém privilégios burocráticos.
O teórico fica na elucubração e não milita. Acaba por tornar-se insignificante e omisso ao problema. E o senso comum, que em nada avança, sempre à espera da canalha, do politicamente correto, sugando a religião como antibiótico de sua dor.
Se o homem se torna o que conhece a ponto de se perder dentro de uma realidade difusa (Marcílio Ficino, 1433-1499), é mais que evidente que, dada a liberdade (entendida aqui como potencialidade operativa, como poder de opção; causa, portanto) como inerente ao humano, pode-se sempre alterar essa mesma realidade.
Para isso, primordial afastar os fervorosos adeptos do "deixa disso", aqueles que não tomam partido e se dão bem com todos, os medíocres e os covardes. O ódio deve ter seu lugar (...).
Deixem os masoquistas trabalhar, os sádicos também ajudam bastante, porque dos "certinhos" e "engomadinhos", sem loucura alguma pra compartilhar, nos dá até preguiça. Ou não?
Otto Lara Resende estava certo "o desenvolvimento humaniza a máquina e maquiniza o homem"-. Deve-se falar mais das flores, em campo derramado.
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto escreve aos domingos em A Gazeta (e-mail: antunesdebarros@hotmail.com).