O Fies efetua o pagamento das Instituições de Ensino Superior (IES) por meio dos Certificados Financeiros do Tesouro – Série E (CFT-E), título público federal remunerado pelo IGP-M (Índice de Preços de Mercado). Eles podem ser utilizados exclusivamente para quitação de obrigações com o INSS. Como o valor do certificado pode exceder o valor de tributos a serem pagos, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) pode recomprar esse títulos. Nesse caso, a diferença entra na receita da IES.
Até 2014, os repasses e as recompras eram realizadas mensalmente. No entanto, a portaria federal do MEC nº 23, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2015, diz que os repasses deste ano serão feitos em oito parcelas, referente a oito meses (dezembro de 2014 a julho de 2015). No caso das IES menores, com até 20 mil alunos matriculados pelo Fies, os repasses continuam mensais, mas também só haverá 8 recompras.
"Estamos negociando com o Ministério da Educação desde 2 de janeiro. Queremos que os contratos assinados sejam honrados: 12 repasses e 12 recompras. Se o governo não emite o certificado, ficamos sem garantia de que ele vá pagar a dívida que tem conosco", afirma Elizabeth Guedes, diretora-executiva da Abraes, que representa as instituições de ensino Anima, Devry, Estácio, Kroton, Laureate e Ser Educacional.
Segundo Elizabeth, as medidas pegaram o mercado de surpresa no fim de 2014 e devem causar grandes impactos financeiros nas instituições. "Pagamos 12 meses de luz, água e salários e só vamos receber 8. Não podemos financiar um projeto do governo com o nosso capital", adverte.
A Abraes deu um ultimato ao MEC. A última reunião entre a Abraes e o governo deve acontecer esta semana. "Foi o prazo que o MEC nos pediu para encontrarmos uma solução", conta Elizabeth.
Exposição ao Fies ditará riscos
As IES mais expostas aos riscos são as mais dependentes da receita do programa. "Tem escola em que 90% dos contratos de matrícula são do Fies. Essas vão ser duramente atingidas, mas o Fies não foi feito para alavancar a receita. No Fies, a inadimplência não existe, não tinha nota de corte e alunos com baixas médias podiam entrar. Muitos gestores, por incompetência ou má fé, têm alto risco de exposição ao Fies e sentirão bastante. E é certo. O Fies não é feito para alavancar receita", afirma a diretora da Abraes.
Peso do Fies nas contas
Segundos dados do balanço da Kroton, dona da Anhanguera, no encerramento do terceiro trimestre de 2014 estavam matriculados 231.080 alunos com contratos do Fies, o que representava 54,2% da base de graduação presencial. Os repasses do programa correspondem a 52% das contas a receber do ensino superior presencial –R$ 237 milhões de R$ 448 milhões.
Na Ser Educacional, 51,2% dos alunos matriculanos no terceiro trimestre do ano passado usavam o Fies. Já na Estácio, R$ 100,2 milhões dos R$ 440,9 milhões referentes às contas a receber do terceiro trimestre de 2014 são referentes ao programa.
Segundo Pedro Mena, da consultoria educacional Hoper, as IES pequenas também podem ser atingidas. "O repasse continua mensal, mas só haverá oito recompras. E a portaria não deixa claro se as recompras serão totais ou parciais. As grandes instituições têm mais maneiras de manobra do que as pequena que, muitas vezes, estão muito expostas ao Fies", diz.
A portaria também não deixa claro como e quando os valores referentes aos meses de agosto a dezembro de 2015 serão pagos. "É inacreditável. Não sabemos se vai ter correção desse valor, por exemplo, apesar de circularem notícias de que as IES estão pedindo a correção pelo IGP-M", conta Mena.
Ainda segundo o consultor, há o risco de o valor disponibilizado pelo MEC para as IES, para a adesão de novos contratos, ser reduzido. "Isso pode acontecer. Estamos na expectativa da abertura do sistema do FIES para ver o que vai acontecer", explica Mena.
O portal do Fies ficou fora do ar desde o dia 1º de janeiro. No dia 28, o site foi aberto para renovações, mas não para novas adesões. Não há previsão para reabertura.
De acordo com Elizabeth, a Abraes tem negociado diretamente com os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e da Educação, Cid Gomes. "Eles têm sido muito receptivos à ideia de que os contratos antigos devem ser mantidos e que as alterações devem ser negociadas. Nossa última reunião de negociação deve ser na próxima semana."
A representante da Abraes não descarta a possibilidade de ir à Justiça pedir a revogação da portaria. "Nós acreditamos na negociação, mas não descartamos a linha judicial. Se negociar não der certo, vamos pensar em outros meios", afirma.
Nota de corte muda cenário de novas adesões ao programa
A partir de 30 de março de 2015, os alunos que queiram aderir ao Fies precisam atender mais dois requisitos: ter obtido média de 450 pontos no Enem e não ter zerado a redação na prova. Além disso, o estudante não pode usufruir dos benefícios do Fies e do Prouni ao mesmo tempo.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 2,1 milhões de candidatos cumpriram as obrigatoriedades no Enem 2014. Mais de 8,7 milhões de alunos de todo o País fizeram a prova.
"Não temos uma previsão exata de como isso vai afetar novas matrículas, mas temos uma faixa. Em regiões como o Nordeste, que tem um sistema de educação básico mais carente e, naturalmente, uma maior predominância de alunos que poderão ter corte, esse percentual pode ser de até 35%. O mínimo que vimos é 8%,em regiões como São Paulo", afirma Mena.
Segundo o iG apurou, em algumas instituições, alunos já estão pedindo o cancelamento de matrículas. "Eles leem a notícia de que é preciso ter a média de 450 pontos e não ter zerado a redação. Isso só começa a valer em março, mas com essa incerteza toda, quando ele vê que não está enquadrado, tem medo de não conseguir entrar no programa. E as IES também ficam receosas, já que não sabem qual será o orçamento para a entrada de novos contratos", diz uma fonte.
Em 2014, 731,3 mil alunos aderiram ao Fies. Desde 2010, foram 1,8 milhões de contratos e R$ 22,7 bilhões repassados às instituições que, atualmente, somam cerca de 1.630.
"Fies não é autossustentável"
Segundo Mena, desde 2013 o mercado espera que o governo faça mudanças no programa. A maneira como elas foram anunciadas, no entanto, diz ele, foram surpreendentes.
"O Fies está desenhado com um elevado tempo de carência da dívida depois do término do curso e juros bastante baixos. Em 2010, isso visava impulsionar o número de ingressantes. Mas percebemos que o retorno desse investimento é a longo prazo. O pograma não é autossustentável, então o governo teria que restringir o investimento", diz o consultor.
De acordo com Mena, isso pode ser feito restringindo o número de novos contratos, como foi feito com a colocação da nota de corte, e aumentando o número de aderidos que estão amortizando a dívida. "Isso precisava ser feito para manter o programa saudável. Já era previsto que algo acontecesse."
Procurado pela reportagem, o Ministério da Educação não quis comentar o assunto. A pasta foi a que teve o maior corte orçamentário para 2015.
Mudança nas regras afeta resultados de ações na bolsas de valores
Listados na bolsa de valores, grandes grupos educacionais como Kroton, Anima e Ser Educacional viram o valor de suas ações despencarem desde o anúncio das mudanças no Fies.
De 2 de janeiro a 2 de fevereiro, os papéis da Estácio tiveram a quarta maior queda em um mês (29,55%), enquanto os da Kroton são o décimo no ranking de perdas no período (22,39%).
Para Mena, o mercado reagiu rapidamente às notícias, "de forma compreensível, mas exarcebada".
Na última quinta-feira (29), o Banco Fator reavaliou suas recomendações aos papéis do setor educacional. "Acreditamos que o atraso do cronograma de pagamentos do Fies impacta negativamente a avaliação das empresas, mas que a reação do mercado foi exagerada. Nossa pesquisa sugere as empresas vão manter a estratégia centrada no crescimento", avalia a corretora em seu relatório.
Ainda segundo o relatório, levando em consideração as variáveis de participação do Fies na receita líquida, margem de EBITDA e aquisições recentes, a Kroton é a empresa menos impactada pelas mudanças, e a Ânima, a mais.
Para Ricardo Kim, analista-chefe da XP Investimentos, o setor educacional ainda não entendeu se mudanças são apenas para este ano ou se valerão de forma permanente.
"Sem dúvida, em 2014, boa parte do crescimento do setor foi baseada no Fies. A captação aumentou muito, mas o mercado já esperava algum tipo de ajuste, até porque sabíamos dos ajustes da nova equipe econômica. Com as mudanças, novas contas impactam as expectativas do setor, de crescimento e as metas. Isso levou a uma queda importante nesse começo de ano", diz o analista.
Na avaliação de Kim, parte da queda foi exagerada, mas é inegável que há novos riscos. "Ajustamos nosso movimento em relação ao setor, porque agora tem mais risco, mas ainda achamos que vale o investidor comprar – dentro de uma carteira diversificada de investimentos, sem ficar concentrado, fazer uma alocação ponderada no setor."
No ano passado, os papéis da Kroton subiram 63%, enquanto da Estácio subiram 17,7%, resultado muito positivo se considerarmos que Bovespa fechou o ano no vermelho, com recuo de 2,91% no ano.
"As ações da Kroton foram muito bem avaliadas pelo investidor, principalmente o estrangeiro, porque ficou claro que o gerenciamento da empresa, com elevação da margem, e a fusão com a Anhanguera foram bem-sucedidas", explica Kim. O analista não acredita que novas empresas abram capital na bolsa neste ano.