Texto-base foi aprovado; falta de quórum fez reunião ser remarcada. Proposta desobriga governo a cumprir superávit primário de 2014.
Sem concluir votação de projeto de meta fiscal, Congresso encerra sessão
A sessão foi marcada por troca de acusações entre os parlamentares, obstrução dos oposicionistas e confusão entre manifestantes que tentaram acompanhar a votação do plenário. Alguns parlamentares chegaram a dormir em suas poltronas e outros dividiram pacotes de bolachas.
O texto-base foi aprovado por volta de 3h45, mas quatro destaques ficaram pendentes. Três deles foram rejeitados em votações simbólicas, sem a contagem de votos. No momento em que o último destaque estava sendo discutido, parlamentares da oposição pediram votação nominal, quando foi detectado que não havia o quórum mínimo de 257 deputados.
No total, apenas 192 deputados marcaram presença na votação do último destaque. O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou, então, que uma nova sessão para discutir o texto deverá ocorrer na próxima terça-feira.
“A democracia exige, sobretudo, que nós tenhamos paciência para levar o processo legislativo ao final, garantindo a palavra a todos, especialmente, à minoria. Eu acho que chegamos a bom termo”, afirmou Renan Calheiros após a sessão.
O projeto discutido pelo Congresso, considerado prioritário pelo Palácio do Planalto, derruba a meta fiscal e permite ao governo fechar as contas públicas sem a obrigação de cumprir o superávit primário (economia para pagar os juros da dívida pública) estabelecido para 2014. No início do ano, a previsão de superávit era de R$ 116 bilhões. Com a aprovação do projeto, passa para R$ 10 bilhões.
Apesar da ampla base de apoio ao governo na Câmara e no Senado, o Congresso fez cinco tentativas até conseguir a aprovação do texto. O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), chegou a colocar o projeto em pauta na semana passada, mas, antes, os parlamentares tiveram de analisar 40 vetos presidenciais e um projeto de lei que estavam à frente da meta fiscal na ordem do dia.
A oposição classificou o projeto como uma “anistia” à presidente Dilma Rousseff pelo descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Já o governo pediu “consciência” e afirmou que a mudança na meta fiscal busca “estabilizar” a política econômica do país.
Confusão
Antes mesmo do início da sessão, pela manhã, o clima já era tenso na entrada do Congresso. Um grupo de manifestantes contrários ao projeto de lei foi impedido de entrar na Casa pela Polícia Legislativa, e os ânimos ficaram acirrados. O acesso do público às galerias do plenário foi vetado por ordem do presidente Renan Calheiros após o tumulto registrado na sessão de terça-feira.
Com gritos de ordem, faixas e apitos, os manifestantes chegaram a hostilizar parlamentares da base aliada que entravam e saiam prédio e balançaram o carro do senador José Sarney (PMDB-AP).
Por volta do meio-dia, juntou-se ao grupo o cantor Lobão, que viajou a Brasília especialmente para acompanhar a votação. Com a ajuda de deputados da oposição, ele conseguiu entrar no Congresso, mas não teve acesso às galerias, que ficaram vazias o tempo todo, ocupada somente por alguns profissionais da imprensa.
A sessão
A sessão começou por volta das 10h30 para apreciar dois vetos presidenciais que trancavam a pauta. A oposição usou diversos recursos para retardar a votação, incluindo a leitura do voto de cada um dos deputados, fazendo com o que o resultado final só fosse divulgado às 18h30.
Em seguida, teve início a apreciação de um projeto de lei que concedia um crédito adicional no Orçamento de R$ 248,2 milhões para o pagamento de aposentados e pensionistas do Instituto Aerus de Seguridade Social, ligado ao setor aéreo.
Deputados e senadores da oposição recorreram ao microfone diversas vezes para estender os debates sobre o tema, mas o projeto acabou aprovado em votação simbólica (sem a necessidade de contagem de votos) por volta das 22h. Com isso, abriu-se caminho para a apreciação do projeto de lei que derruba a meta fiscal.
Oposicionistas criticam
Iniciada a discussão, os oposicionistas se revezaram nas críticas. Em discurso inflamado, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato derrotado à Presidência da República, disse que o projeto “fere de morte” a Lei de Responsabilidade Fiscal e chamou o governo federal de “irresponsável”. Chegou a dizer que o senador petista Lindbergh Farias (RJ), defensor do texto, é um “ex-carapintada que se transformou em um senador chapa branca”.
“Perdemos a eleição, mas não perdemos a condição de sermos oposição a esse governo que tem cometido irresponsabilidades atrás de irresponsabilidades”, discursou.
“Esse projeto significa o ‘liberou-geral’ com o dinheiro do contribuinte”, disse o líder do PSDB, deputado Antonio Imbassahy (BA). “Não podemos avalizar essa irresponsabilidade fiscal, não estamos aqui para salvar a pele da presidente”, destacou o líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE).
O líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP), acrescentou que a aprovação do projeto trará consequências “desastrosas” ao país. “Não venham os senhores com esse contorcionismo mental. Não me venham com lorotas”.
Governistas defendem
“Essa votação de hoje estabiliza a política econômica”, rebateu o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), que destacou a atual crise econômica mundial. “Isso os líderes do PSDB não dizem: é a mais profunda crise do capitalismo global desde 1929”, completou.
O líder do PT na Câmara, deputado Vicentinho (SP), afirmou durante a discussão que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também já enviou ao Congresso, em 2001, um projeto a fim de alterar a meta do superávit primário.
“Se o governo do PSDB não cumpriu a meta, como pode agora acusar a presidenta Dilma de improbidade administrativa para não cumprir o superávit previsto para 2014?”, questionou o petista.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse que Dilma Rousseff, durante a campanha eleitoral, prometeu não que faria equilíbrio fiscal “à custa de desemprego e recessão econômica”. Conforme o parlamentar, a redução da meta de superávit se deve à “mudança da conjuntura” da economia.
“O que aconteceu este ano? A conjuntura econômica mudou no Brasil e no mundo. Nós tivemos dois trimestres com crescimento negativo da nossa economia”, justificou Lindbergh.
Emendas
Outro assunto que acendeu o embate entre governo e oposição foi o decreto presidencial que condiciona a liberação de emendas parlamentares extras à aprovação da mudança na meta fiscal. Os oposicionistas classificaram a medida como “chantagem”.
O senador Aécio Neves disse que Dilma colocava o Congresso de “cócoras” e pretendia colocar “preço” nos parlamentares. Mendonça Filho classificou o ato como “chantagem por decreto”.
O presidente Renan Calheiros rebateu, dizendo que o decreto, na verdade, é “inócuo”. “Se não alterarmos a LDO, não teremos dinheiro não apenas para emendas, nós não teremos dinheiro para muita coisa porque teremos que nos submeter a um ajuste brutal”, declarou o senador.
O deputado Ronaldo Caiado (PSDB-GO) disse que a “presença massiva” dos parlamentares da base governista no plenário se deve à promessa de liberação de emendas pela presidente Dilma Rousseff. “Ou por emendas ou por cargos no governo”, criticou.