Cidadãos com passaporte europeu não terão de sair imediatamente, diz especialista, mas vão ter de passar pelo crivo da imigração
Como a saída da UE afeta os brasileiros no Reino Unido
Quem hoje se beneficia das regras de livre circulação no bloco passará a se submeter a regras estabelecidas pela legislação nacional britânica.
Para quem já está no Reino Unido com visto gerido por essa legislação - com visto de trabalho, estudo ou cônjuges de britânicos - pouco deve mudar.
"Quem não tinha de passar pelo crivo da imigração vai passar a ter", disse à BBC Brasil o consultor de imigração da Associação Brasileira no Reino Unido (Abras), Ricardo Zagotto.
"Aqueles que satisfizerem os critérios poderão ficar. Mas eles vão ter mais dor de cabeça e mais custos", diz o consultor.
Porém, ele enfatiza que "nada está claro", porque nenhuma proposta concreta foi apresentada durante a campanha.
"Não é que vão mandar os europeus embora, mas será criada uma nova bucroacia e eles vão ter de cumprir requisitos que a gente ainda não sabe quais são."
Que sistema?
Durante a campanha, os proponentes da saída enfatizaram que preferem substituir as regras de livre circulação da UE por um sistema de pontos e cotas, como acontece na Austrália.
Nesse sistema, os imigrantes vão acumulando pontos de acordo com os critérios que cumprirem, e são aceitos em vagas disponíveis nas diferentes categorias de cotas.
Ricardo Zagotto explica que o Reino Unido já possui um sistema baseado em categorias, que rege a entrada de estudantes, visitantes, trabalhadores qualificados e trabalhadores com pouca qualificação, por exemplo.
Porém, nem todas as categorias são preenchidas, porque o livre fluxo de cidadãos da UE naturalmente atende à demanda por imigrantes. Setores que empregam mão de obra pouco qualificada, como construção civil, agricultura e limpeza, por exemplo, são tipicamente abastecidos com trabalhadores do Leste Europeu.
Em teoria, muitos europeus poderiam simplesmente continuar a viver no Reino Unido dentro das novas categorias. Igualmente, explica Zagotto, cidadãos com passaporte brasileiro que querem entrar no Reino Unido poderiam ser aceitos dentro de uma dessas categorias expandidas.
A grande incógnita da equação é desvendar qual o nível de imigração que um Reino Unido fora da União Europeia vai comportar.
No ano passado, entraram no país 330 mil imigrantes, metade deles, da União Europeia. O primeiro-ministro, David Cameron, prometeu reduzir esse número para menos de 100 mil por ano e tem estado sob forte pressão por não conseguir cumprir essa promessa.
Após o anúncio dos resultados - em que a opção de sair da União Europeia venceu a opção de ficar por 51,9% a 48,1% - Cameron anunciou que vai deixar o cargo até outubro.
Mudança gradual
Sejam quais forem as próximas regras, analistas e políticos dizem que a mudança será gradual e que ninguém terá de deixar o país da noite para o dia.
"Quero tranquilizar os britânicos vivendo na União Europeia e os cidadãos da União Europeia vivendo no Reino Unido que não haverá mudança imediata (nas suas circunstâncias)", disse Cameron em discurso na manhã desta sexta-feira.
Atualmente, cerca de 3 milhões de cidadãos europeus vivem no Reino Unido, principalmente da Polônia (850 mil), República da Irlanda (330 mil) e diversos países do antigo bloco soviético.
Zagotto explica que, atualmente, estes cidadãos podem pedir a residência permanente no Reino Unido quando completarem cinco anos vivendo no país.
Porém, essa autorização, o Certificado de Residência Permanente para Cidadão da UE, deve deixar de valer.
Já quem vive no Reino Unido com um visto regido pela legislação nacional recebe o Indefinite Leave to Remain - a autorização para viver no Reino Unido indefinidamente - e não é provável que isto seja modificado.
Em ambos os casos, a cidadania só é obtida um ano depois, mediante o cumprimento de requisitos como domínio da língua e conhecimento básico do funcionamento da sociedade britânica.
Alguém tranquilo?
O especialista da Abras acredita que, para efetuar uma transição suave, as autoridades britânicas vão: 1) criar provisões temporárias para lidar com a questão dos europeus que já vivem aqui e 2) impor restrições aos que vão entrar.
"Até o brasileiro europeu que ficou aqui cinco anos e pediu o documento de residência permanente está em uma situação incerta. Só está 100% tranquilo aquele brasileiro que já se naturalizou", disse Zagotto.
"Mas tem muito brasileiro que só se preocupa com a papelada quando acontece um evento, um fato. Agora aconteceu o evento."