Você tem que fingir de bobo, disse Cursi a delator
A conversa entre os dois se deu na tarde de 21 de agosto de 2015, na sede da Tractor Parts, uma das empresas beneficiárias dos incentivos supostamente indevidos.
“Então, você tem que se fingir de bobo, de mal entendido, ‘ah, eu não estou entendendo’, porque a acusação, João, tem que ser específica, você tem que falar lá infringiu o artigo tal da lei 7958, ou do decreto 1432, item tal, por isso. ‘Ah tá! Agora entendi’. Enquanto eles não fizerem isso, você tem que ir conduzindo pra mostrar que eles não estão te apontando a irregularidade”, disse Cursi, se referindo a uma notificação emitida pelo Conselho Estadual de Desenvolvimento Empresarial (Cedem) ao empresário.
A reunião durou 48 minutos e foi gravada por João Batista, que já havia feito um acordo de delação premiada com o Ministério Público Estadual. A delação foi posteriormente anulada após a juíza Selma Arruda entender que Batista foi vítima, e não coautor do alegado esquema.
Menos de um mês depois, no dia 15 de setembro de 2015, Cursi foi preso juntamente com o ex-secretário de Estado Pedro Nadaf (Casa Civil e Indústria e Comércio). No dia 17 daquele mês também foi preso o ex-governador Silval Barbosa.
Eles são acusados de liderarem suposto esquema que teria lucrado R$ 2,6 milhões, entre 2011 e 2014, por meio da exigência de propina em troca de incentivos fiscais do Prodeic (Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso).
A reunião
Após conversaram sobre o agronegócio e a crise econômica brasileira, o empresário falou a Marcel de Cursi sobre o temor em perder os incentivos fiscais, após a notificação recebida pelo Cedem.
O receio do empresário, conforme a posterior denúncia à Justiça, teve como base o fato de o mesmo ter descoberto que os incentivos foram concedidos de maneira propositalmente irregular, para obrigá-lo a continuar pagando propina ao grupo criminoso, mesmo após o fim do mandato de Silval Barbosa, em 2015, sob pena de ter suas empresas descadastradas e multadas.
João Batista: Ah, Marcel, eu cheguei de ficar doente rapaz. Eu vou te contar, eu vou participar de uma reunião da Cedem e, aí, quando eu abro a pasta com a pauta, as três empresas lá, aquilo lá rapaz me deu um, me deu um mal estar, uma coisa. É como se tivesse uma espada em cima da minha cabeça... E eu pensei entrar em parafuso e não dormia mais, fiquei duas semanas sem dormir. Aí eu tive que tomar remédio, entrei no remédio. Atrapalhou mais do que ajudou.
Marcel de Cursi: João, fica tranquilo, você não tem que ficar absorvendo tudo isso não.
Marcel de Cursi afirmou que João Batista deveria se fazer de mal entendido e tentar “protelar” ao máximo o processo administrativo, pedindo mais prazo para se defender e solicitando que o Cedem apontasse quais seriam as irregularidades.
O ex-secretário também garantiu que, se houvesse a cassação dos benefícios fiscais na esfera administrativa, conseguiria reverter a situação na Justiça.
Em outro momento da reunião, João Batista reclama de o ex-secretário Pedro Nadaf ter incluído suas empresas de forma irregular no Prodeic. Já Marcel responde que o delator deveria “retirar esse sentimento do seu coração”.
João Batista: Essa foi a primeira vez, viu, desculpe, tem um processo lá e não sei se você viu? Tem um parecer lá do Lourival, primeiro ele faz um parecer favorável e depois faz um parecer contrári. E eu não fui notificado nenhuma vez, doutor Marcel.
Marcel de Cursi: João, tem saída, e a saída para mim é o seguinte, primeira coisa você limpa esse sentimento do seu coração... Senão você não vai conseguir enxergar a saída, vamos enxergar a saída juridicamente.
Mentor intelectual
Na decisão que recebeu a denúncia, a juíza Selma Arruda, da Vara Contra o Crime Organizado da Capital, afirmou que Marcel de Cursi era um dos “mentores intelectuais” do alegado esquema.
A magistrada apontou que Cursi usou de seus conhecimentos para obrigar o empresário João Batista Rosa do grupo Tractor Parts, a procurar a organização e conseguir “enredá-lo na teia criminosa”.
Rosa foi delator do esquema, mas teve a delação anulada após a magistrada enquadrá-lo como vítima, e não como coautor dos fatos.
De acordo com a decisão, mesmo após o término do mandato do governador Silval Barbosa, Cursi e Nadaf continuaram a exigir dinheiro do empresário, que, além de pagamentos mensais, havia abrido mão de um crédito fiscal de R$ 2,55 milhões em favor do "grupo criminoso".
Para a juíza Selma Arruda, a conduta de Marcel de Cursi durante a reunião com João Batista - assim como as mensagens que o mesmo mandou ao empresário por “WhatsApp” - teve o intuito de “intimidar o colaborador, de deixá-lo com medo, bem como de evitar que o mesmo acabasse falando a verdade, ou seja, delatando a fraude”.
“Além disso, a mensagem via Whatsapp na qual Marcel envia a João Batista um link sobre uma reportagem que se refere ao esquema como um caso de polícia, denota claramente sua intenção de impor medo ao colaborador, referentemente ao que poderia acontecer, caso as irregularidades fossem reveladas”, afirmou.
A alegada intimidação foi um dos fatores que levou a magistrada a decretar a prisão de Marcel de Cursi, uma vez que há indícios de que ele poderia coagir testemunhas caso ficasse em liberdade.
“Daí, a necessidade da decretação da custódia preventiva como único meio capaz de tutelar a livre produção de provas e impedir que os agentes criminosos destruam ou manipulem provas e ameacem testemunhas, ou seja, de que comprometam a instrução criminal e a busca da verdade real”, avaliou.