Entenda o vaivém do Supremo sobre a entrevista de Lula à Folha
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, determinou na noite de segunda-feira (1º) o cumprimento de decisão do ministro Luiz Fux proibindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de conceder entrevista à Folha de S.Paulo.
Como começou o imbróglio no STF?
A Folha de S.Paulo apresentou uma reclamação ao Supremo na quinta (27) contra uma decisão da 12ª Vara Federal em Curitiba, responsável pela execução da pena de Lula, que proibira o ex-presidente de conceder entrevista. O jornal sustentou na reclamação que tal decisão limitava o exercício do jornalismo e a liberdade de expressão
Qual foi a primeira decisão?
Na manhã de sexta (28), o ministro Ricardo Lewandowski, relator da reclamação, autorizou Lula a dar a entrevista, com fundamento em um julgamento anterior do plenário do Supremo (na ADPF 130) que, segundo o magistrado, garantiu "a 'plena' liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia".
"O STF, em inúmeros precedentes, mesmo antes do julgamento da ADPF 130, já garantiu o direito de pessoas custodiadas pelo Estado, nacionais e estrangeiros, de concederem entrevistas a veículos de imprensa, sendo considerado tal ato como uma das formas do exercício da autodefesa", afirmou.
O que afirmou a Procuradoria-Geral da República?
O órgão divulgou nota na tarde de sexta informando que não recorreria da decisão de Lewandowski. "Em respeito à liberdade de imprensa, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não recorrerá de decisão judicial que autorizou a entrevista do ex-presidente Lula a um veículo de comunicação", disse o texto.
Quem contestou a decisão?
No início da noite da sexta, o partido Novo, adversário do PT nas eleições, pediu uma suspensão de liminar ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, para cassar a decisão de Lewandowski. A sigla argumentou que o PT tem apresentado Lula como candidato, o que desinforma os eleitores às vésperas do pleito.
Por que Luiz Fux decidiu no lugar de Dias Toffoli?
Segundo a assessoria do STF, Toffoli estava ausente, em viagem a São Paulo, e o artigo 14 do regimento interno do tribunal prevê que nesses casos cabe ao vice-presidente deliberar sobre questões urgentes. É comum, porém, que ministros despachem a distância, porque os processos são eletrônicos. A corte não explicou o motivo da ausência. Fux também teria despachado a distância, do Rio de Janeiro.
Qual foi a decisão de Fux?
Por volta das 22h30 de sexta, o vice-presidente, no exercício da presidência, proibiu Lula de dar entrevista e determinou que, se ela já tivesse sido feita, estava censurada. Fux escreveu que a regulação da livre expressão de ideias, sobretudo no período eleitoral, protege o bom funcionamento da democracia.
"No caso em apreço, há elevado risco de que a divulgação de entrevista com o requerido Luiz Inácio Lula da Silva, que teve seu registro de candidatura indeferido [pela Justiça Eleitoral], cause desinformação na véspera do sufrágio, considerando a proximidade do primeiro turno das eleições presidenciais", considerou.
Qual foi a repercussão da decisão de Fux entre especialistas?
Especialistas em direito constitucional apontaram falhas na decisão de Fux, principalmente: 1) o partido Novo não tinha legitimidade para acionar o STF, por não ser entidade jurídica de direito público, como exige a lei; 2) não cabia um pedido de suspensão de liminar (tipo de processo usado pelo partido Novo), porque a decisão de Lewandowski não era liminar, mas de mérito (definitiva).
Já a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) afirmou considerar alarmante a decisão que impôs censura prévia, no caso de a entrevista já ter sido realizada. "A Abraji considera que não é possível compatibilizar 'livre expressão de ideias' com regulação e censura. Não cabe ao Supremo Tribunal Federal definir o que seriam 'informações falsas ou imprecisas', antes mesmo de sua publicação, nem regular sua circulação, durante uma campanha eleitoral ou em qualquer outro momento."
O que fez a Folha de S.Paulo?
Na tarde do domingo (30), peticionou ao ministro Lewandowski pedindo para que ele determinasse o cumprimento de sua decisão, então suspensa pelo colega. "Além da ilegitimidade, o partido político manejou medida processual incabível, que induziu o Supremo Tribunal Federal a erro, pois não há -e jamais houve- liminar a ser suspensa no presente feito", sustentou o jornal.
Por que Lewandowski deu novo despacho?
Na tarde desta segunda-feira (1º), o ministro reafirmou sua primeira decisão e determinou seu cumprimento. Segundo Lewandowski, por causa dos vícios apresentados, a decisão de Fux "não possui forma ou figura jurídica admissível no direito vigente, cumprindo-se salientar que o seu conteúdo é absolutamente inapto a produzir qualquer efeito no ordenamento legal".
Lewandowki descreveu a tramitação do pedido de suspensão de liminar feito pelo Novo -que chegou ao STF no início da noite, quando Toffoli estava em São Paulo, e foi decidido por Fux três horas depois- e apontou que outro processo desse tipo, referente à falta de transporte público numa cidade paulista, "curiosamente" não teve decisão do vice-presidente.
"Constata-se [...] que a estratégia processual, a qual redundou na decisão aqui atacada, inteiramente tisnada por vícios insanáveis, foi arquitetada com o propósito de obstar, com motivações cujo caráter subalterno salta aos olhos, a liberdade de imprensa constitucionalmente assegurada a um dos mais prestigiosos órgãos da imprensa nacional", escreveu.
Qual a principal implicação jurídica da disputa?
Como não há hierarquia entre os membros do Supremo, o entendimento vigente é que determinado ministro não pode, individualmente, cassar decisão de um colega - ponto destacado por Lewandowski em seu novo despacho.
"Caso mantida a teratológica decisão [de Fux], estaria legitimada a atuação do presidente da corte ou de outro ministro que lhe fizesse as vezes como revisor das medidas liminares ou mesmo de mérito proferidas pelos demais ministros, o que se afiguraria não só inusitado como francamente inadequado, justamente porque todos os integrantes da Casa compõem o mesmo órgão jurisdicional, não se podendo cogitar de qualquer hierarquia jurisdicional entre eles", escreveu.
Qual foi o posicionamento de Toffoli?
Em resposta a uma consulta feita pelo Ministério da Justiça Pública, responsável pela Polícia Federal, o presidente do Supremo decidiu, por volta das 21h30 desta segunda, manter a decisão de Fux pela proibição da entrevista, contrariando novamente Lewandowski.
O caso será analisado pelo plenário do STF?
Em seu despacho, Toffoli afirmou que a decisão é válida até o julgamento do caso no plenário da corte, o que não tem data para acontecer.