Cabeçadas da equipe de Bolsonaro agitam o mercado
Os primeiros movimentos do governo eleito na área econômica são um desastre e isto não é nenhuma fake new. Impera a confusão na definição de rumos, mostra a sequência de tropeços e desencontros que inquieta o mercado, alarma setores da indústria e do comércio exterior e torna cada vez mais remota a recuperação da produção, do crescimento, do desenvolvimento tecnológico e da geração de empregos, temas rarefeitos quando não inexistentes entre as proposições dos vencedores das eleições.
Bolsonaro e equipe batem cabeça nas definições para áreas sensíveis como o câmbio, as exportações e a manufatura, além de buscarem um atrelamento radical do País ao neoliberalismo em declínio inclusive nos Estados Unidos e de criarem atritos com a China, nosso principal parceiro comercial, e com os integrantes do bloco Mercosul.
Na segunda-feira 29, o deputado federal Onyx Lorenzoni, coordenador da equipe de transição cotado para futuro ministro da Casa Civil, disse que a taxa de câmbio será mais previsível, mas não haverá meta para o valor da moeda, o oposto do declarado na véspera por Bolsonaro, de que o Banco Central deveria ter metas de câmbio.
Em seguida descartou a reforma da Previdência que Temer se dispôs a colocar em votaçãoainda neste ano. À tarde, Guedes desautorizou publicamente Lorenzoni a falar sobre economia e não comentou a declaração do seu chefe a propósito do câmbio, mas depois de se reunir com ele admitiu que a reforma não andará tão rápido como o sistema financeiro gostaria, devido à necessidade de levar em conta as negociações políticas no Congresso.
Mais ou menos o que afirmara o recém-desautorizado Lorenzoni. No fim do dia acenou, entretanto, com duas reformas da Previdência, uma antes outra depois de primeiro de janeiro, esta para introduzir o mesmo sistema de capitalização fracassado nos EUA e no Chile.
Em meio à sucessão de remendos que vai ocupando o lugar daquilo que deveria ser uma política econômica coerente e consistente, Bolsonaro e seus economistas buscam atrelar o País à fracassada condução neoliberal do mundo pelos Estados Unidos sob o catecismo da escola econômica da Universidade de Chicago, aquela conhecida pelo slogan “mercado acima de tudo, deus Mamom da riqueza acima de todos”, onde Paulo Guedes fez sua profissão de fé e o subsequente Consenso de Washington.
A derrocada daquela orientação está demonstrada na mais completa radiografia da economia dos EUA elaborada em 2016 pelo Instituto Roosevelt sob a coordenação do Nobel Joseph Stiglitz, tomando por base centenas de pesquisas sobre emprego, renda, empresas, sistema financeiro e proteção social.
A atrofia das empresas, do investimento, do trabalho, do movimento sindical e da seguridade social combinados à desregulamentação e à hipertrofia financeira travam qualquer crescimento significativo ao algemarem o aumento da demanda nos EUA e no resto do Ocidente à remuneração e ao consumo cronicamente baixos. Não por acaso ressurgem agora com mais força previsões de nova crise mundial de grandes proporções.
A tentativa de conversão à orientação decadente de política econômica põe o Brasil à beira do ridículo e do precipício ao mesmo tempo. “Quando os EUA pregam o liberalismo, o fazem na condição de grande potência mundial e nós no Brasil como sempre estamos absorvendo o discurso que vem do Norte sem as devidas considerações históricas e regionais. Bolsonaro coloca-se como um Trump da América Latina, mas isso é totalmente impossível. Esse Trump latino-americano vai ser atropelado pelo capitalismo mundial, China incluída”, disse a esta revista Bruno De Conti, professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Dar as costas ao país asiático, hostilizado por Bolsonaro com sua visita a Taiwan em março e ironizado em declarações, será catastrófico, alerta De Conti. A postura antichinesa colide por exemplo com os interesses do setor do agronegócio que apoia o novo presidente, pois a soja produzida no Brasil é exportada principalmente para os chineses, assim como a carne de frango.
Na quarta-feira 31 o jornal China Daily, porta-voz governamental não oficial, veiculou em editorial um recado duro para Bolsonaro: “Se a opção do Brasil em 2019 for por seguir a linha de Donald Trump e romper acordos com Pequim, quem sofrerá será a economia brasileira”.
As trombadas em assuntos econômicos parecem não ter limite, mostram as críticas de Guedes ao Mercosul, bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Segundo o futuro ministro da Economia declarou à BBC, Brasília só negociava com quem tinha "inclinações bolivarianas", mas isto não mais ocorrerá a partir da Presidência de Bolsonaro.
Isso menos de 24 horas após o capitão atenuar em entrevista à televisão declarações anteriores de Guedes na mesma linha. A retirada do bloco responsável pela absorção de 25% das exportações de manufaturados do País seria uma espécie de Brexit do Brasil, alertou o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.
Segundo a Confederação Nacional da Indústria, enfraquecer o Mercosul é fortalecer a China, algo que parece escapar ao pensamento linear de Guedes e Bolsonaro. Outra proposta criticada pela indústria, de fundir as pastas da Fazenda, Planejamento e Indústria em um ministério foi oficializada por Bolsonaro.
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A equipe do capitão, que até agora não chutou sequer uma bola dentro na área econômica, produziu mais uma, ou melhor duas cizânias, entre ruralistas e também na corrente ambientalista ao decidir unificar os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, conforme anunciado na terça-feira 30. Em nenhuma dessas áreas há consenso contra ou a favor da unificação.
Um ponto adicional de discórdia intestina é a venda da Embraer à Boeing, definida pelo governo Temer, mas ainda não fechada. No domingo 29 o general Augusto Heleno, futuro ministro da Defesa, declarou que antes de sacramentar o negócio é preciso ver se a transação é vantajosa para o País. O argumento de Heleno não deve fazer o menor sentido para o ultraliberal Guedes, que ao menos até o início da semana não se pronunciara sobre o assunto.
No carrossel de afirmações seguidas de desmentidos Guedes propôs ainda na segunda-feira 29 a venda de 100 bilhões de dólares das reservas cambiais de 380 bilhões para reduzir a dívida e horas depois se desdisse ao término de uma reunião com Bolsonaro.
Para não ficar feio, declarou que a venda só ocorreria em momentos de ataque cambial, uma enrolação, pois em ocasiões do tipo o país assediado pelos especuladores é obrigado a queimar seu estoque de divisas para defender a própria moeda, como fez o governo FHC em 1998 ao detonar 30 bilhões de dólares na tentativa de deter a desconfiança internacional em relação à economia local fragilizada sob a sua gestão.
A proposição do Chicago’s Boy parece ter despertado mais inquietações que hurras entre seus ex-colegas de universidade espalhados no sistema financeiro, sugere a manchete do jornal Valor na quarta-feira 31: “Mercado mostra dúvidas sobre a venda de reservas”.
As indicações de condução mais neoliberal que o próprio neoliberalismo atraíram as atenções de Steve Bannon, ex-assessor de Trump e estrategista de guerras cibernéticaspara manipulação de eleições como a desfechada no Brasil para vencer Haddad e o PT.
Bannon declarou esperar do governo de Bolsonaro um êxito econômico capaz de influenciar o mundo e anseia pela presença do capitão no encontro mundial de lideranças do neoliberalismo extremado em janeiro na Bélgica.
É preciso esperar, entretanto, o resultado do ziguezague de direcionamentos para a área econômica divulgados de hora em hora pelo futuro governo nos dias seguintes à eleição, pois, como chama atenção De Conti, “A tentativa de submeter um país periférico a uma política liberal é de fato condená-lo à morte.
Quando os EUA pregam o liberalismo, o fazem na condição de grande potência mundial e nós no Brasil estamos absorvendo como sempre o discurso que vem do Norte sem as devidas considerações históricas e regionais. Bolsonaro coloca-se como um Trump da América Latina, mas isso é totalmente impossível. Esse Trump latino-americano vai ser atropelado pelo capitalismo mundial, China incluída”.
O jogo mundial está mudando, mostram as projeções da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, de que nos próximos cinco anos a parcela da China no PIB do planeta crescerá de 27,2% para 28,4%, enquanto a dos Estados Unidos cairá de 12,9% para 8,5%. O gigante asiático desprezado por Bolsonaro e seus mutantes avança de modo sólido e prudente, inclusive na área tecnológica, com resultados que exasperam Trump, o general da guerra comercial antichinesa.
Não poucos comparam o poderio desenvolvimentista da iniciativa de Pequim, intitulada Belt and Road ou novas rotas da seda, ao Plano Marshall do Pós-Guerra, de investimentos dos Estados Unidos fundamentais para a recuperação europeia. O Belt and Road é um programa ambicioso iniciado em 2013 e em estágio avançado de execução para conectar a Ásia com a Europa e a África por redes terrestres e marítimas ao longo de seis corredores e que visa incrementar a integração regional, o comércio e o crescimento econômico.
O bolsonarismo descarta também os BRICS e, com isso, joga fora a oportunidade de o Brasil articular uma parceria com Rússia, África do Sul e Índia para negociar inclusive contrapartidas ao enorme desbalanceamento em favor da China no interior do bloco, alerta De Conti.
O rol de propostas com perdas e danos previsíveis inclui a de abertura comercial unilateral e total apresentada antes das eleições por economista da equipe de Bolsonaro, medida capaz de aniquilar o pouco que resta da indústria nacional.
“É um cenário de incertezas tremendas, porque a conta não fecha. Tenho para mim que eles próprios não sabem o que fazer. Vai ser um governo desastroso, não tenho dúvida”, prevê De Conti.