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POLÍTICA
Terça - 27 de Agosto de 2019 às 14:29
Por: THAIS REIS OLIVEIRA, Carta Capital

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JOICE HASSELMANN DE OLHO EM SÃO PAULO
JOICE HASSELMANN DE OLHO EM SÃO PAULO

“Se o seu jeito é radical contra a corrupção, liberal para a economia de mercado, amigo da transparência, estamos do mesmo lado.” A manjada frase poderia caber na propaganda de uma dezena de partidos brasileiros. Mas é, na verdade, enxerto de um comercial recém-lançado pelo PSL. Depois de um começo de êxito inesperado, a sigla de Jair Bolsonaro espera chegar às eleições municipais de 2020 com a marca de 1 milhão de filiados e estrutura nacional forte o suficiente para abocanhar o maior número possível de prefeituras e vagas nas câmaras municipais.

A primeira bala em direção a este alvo foi disparada no sábado 17, dia em que o partido promoveu um encontro nacional para aumentar o rebanho. Abastecido com a maior fatia dos fundos partidário e eleitoral, o PSL alugou salões em hotéis cinco estrelas para sediar o evento simultâneo em 72 cidades. O dinheiro financiou ainda a produção do vídeo mencionado acima, que em nada lembra o material mambembe e em baixa resolução da campanha de 2018 e demorou duas semanas para ser concebido sob a batuta da prestigiosa FSB Comunicação. Foram escalados 50 atores – de etnias, idades e gêneros variados – na tentativa de fisgar novos filiados.

No partido, essa ofensiva é encarada como parte de um processo de amadurecimento. O discurso antipolítica repousa agora em uma gaveta. “Temos vários militantes de rua que migraram para a vida partidária. Nossa intenção é ter uma estrutura sólida”, disse a CartaCapital um burocrata pesselista que preferiu não se identificar. Em meio à crise de identidade nas legendas do “Centrão” e do PSDB, o partido enxerga uma oportunidade de consolidar uma hegemonia. Quer base, militância e capilaridade. Sai de cena a legenda de aluguel, entra o “partido da direita”.

Por conta dos resultados eleitorais de 2018, o PSL vai receber neste ano 110 milhões de reais dos fundos públicos. De janeiro para cá, embolsou mais de 47 milhões, segundo dados do TSE. Ganharam investimento e algum fôlego as alas mundialistas Jovem e Mulher, além da Fundação Indigo, balão de ensaio para os planos megalomaníacos de Eduardo Bolsonaro. Se o Congresso aprovar neste segundo semestre o valor de 3,7 bilhões de reais para o fundo eleitoral, a legenda terá quase meio bilhão em caixa para a disputa em 2020.

As peças desse xadrez começaram a ser movidas. Em São Paulo, o partido está, ao menos por ora, unido em torno do nome da deputada e dublê de jornalista Joice Hasselmann. A edição paulista do evento de filiação foi praticamente uma ode à candidatura da parlamentar. No Rio de Janeiro, Bolsonaro defende a indicação de Hélio Lopes, amigo dos tempos de Exército eleito sob a alcunha de Hélio Bolsonaro. A meta é lançar candidatos em todas as capitais e cidades com mais de 100 mil habitantes.

No radar estão o ocaso parlamentar do MDB, a crise de identidade no PSDB e a paralisia do PT diante da prisão de Lula e dos desmandos da Lava Jato. Os três partidos, apesar dos reveses, ainda ocupam o pódio em popularidade e poder político. Além de governar uma em cada cinco cidades brasileiras, o MDB lidera o ranking dos filiados, com 2,4 milhões, seguido pelo PT (1,6 milhão) e PSDB (1,4 milhão). Já o PSL, segundo dados do TSE, tem hoje 271 mil e ocupa o 15º lugar no ranking. A inspiração nos petistas, aliás, é recorrentemente lembrada por lideranças e agentes que atuam nos bastidores. Do alto ao baixo escalão, é clara a intenção de mimetizar o modus operandi do adversário. Segundo o cientista político Christian Lynch, da Uerj, Bolsonaro trabalha para se tornar o “Lula do PSL”. O plano, completa, não necessariamente está ligado ao que o ex-presidente efetivamente representa. “Certamente, Bolsonaro imagina que Lula é o dono inconteste de um grande partido, e o seu, por assim dizer, é o PSL.”

A legenda parece também ter reeditado a “teoria dos terços” consagrada por Duda Mendonça na primeira eleição de Lula, em 2002. Segundo o marqueteiro, havia 30% do eleitorado que sempre votaria em Lula, e um outro terço antipetista empedernido. Os que sobram flutuariam entre um campo e outro. Se, a partir de 2002, Lula superou com folga a barreira, Bolsonaro parece estar mais preocupado em manter entretido o seu terço e em fragmentar a oposição.

As pesquisas CNI/Ibope feitas desde a posse mostram que o porcentual daqueles que consideram o governo ótimo/bom e os que o julgam ruim/péssimo está cristalizado na casa dos 30%. Um número pífio para um governante em início de mandato: Bolsonaro é o mais impopular nesta fase desde a Era Collor. No novo jogo viciado da democracia, pode ser o bastante, no entanto, para garantir sucesso eleitoral. “A diferença é que o PT levou anos para se consolidar e se enraizar, ao passo que o PSL, como o próprio Bolsonaro, ainda não o fez. Bolsonaro está ocupado com o trabalho de sedimentação, no triplo da velocidade do PT. Daí a violência que tem exercido para aparelhar o Estado”, avalia Lynch.

Outro que tem manifestado o pendor municipalista é o Movimento Brasil Livre. Nos últimos tempos, o grupo ensaiou um mea-culpa e prometeu focar nas eleições municipais. Lynch alerta, porém, que a estratégia depende da viabilidade de um projeto alternativo ao bolsonarismo. “Se a esquerda se recuperar e não houver alternativa para que esse lugar ideológico perdure de modo autônomo, o MBL volta correndo para o colo do Bolsonaro.”

O cenário é mais incerto no campo progressista. No PDT, que sinaliza voos-solo nas capitais, o jogo está embaralhado desde a decisão de restringir a legenda a quem integrar “grupos de financiamento externo”. A dobradinha PSOL-PT em torno da candidatura de Benedita da Silva no Rio esfriou. O partido de Lula decidiu esperar as eleições internas, marcadas para novembro. Embora o assunto tenha entrado em pauta no último encontro nacional, as ações ainda são embrionárias. Uma equipe foi destacada para rodar o Brasil e colher as demandas das cidades. “Em Mato Grosso do Sul, já governamos mais de 40% das cidades. Tem políticas experimentadas. Estamos indo a campo para lutar”, explica a ex-ministra Ideli Salvatti. Naquele estado, um dos redutos caros ao PSL, o ex-governador Zeca do PT lidera uma articulação com outras legendas para barrar a ascensão bolsonarista e compor chapas nas cidades mais importantes.

Fundado há 25 anos, o PSL está há 21 sob o comando de Luciano Bivar, empresário pernambucano que enriqueceu com a venda de seguros habitacionais. Eleito deputado em 2018, Bivar só deixou a cadeira durante as eleições, a pedido de Bolsonaro, em favor de Gustavo Bebianno. Há quatro anos, uma dissidência dita liberal, o Livres, ensaiou uma renovação do partido, mas se viu obrigada a desfiliar-se após a agremiação cair nas mãos de Bolsonaro. Apesar do número inexpressivo de votos, Bivar embolsou a maior fatia do fundo eleitoral. Dos 9,2 milhões de reais recebidos pelo PSL, a campanha do deputado ficou com 1,8 milhão, quase 20% do total. O dinheiro serviu para contratar, por 250 mil, serviços de uma empresa pertencente ao próprio filho. Além disso, Bivar ainda precisa explicar o escândalo do “laranjal”.

Também podem minar esses planos as disputas locais pelo poder. Dos 145 políticos que a sigla elegeu no ano passado, 78 passaram por outros partidos. Esse balaio de gatos virou terreno propício para o fogo amigo. Em São Paulo, o partido divide-se em dois núcleos: um orbita em torno de Joice Hasselmann e outro do senador Major Olímpio. Hasselmann não conta mais com o apoio de Alexandre Frota, expulso. A entourage de Olímpio inclui Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli. Sobram ataques até ao presidente, que, aliás, não gravou vídeo para a campanha de filiação. Para alguns interlocutores, a omissão sinaliza que o ex-capitão ainda não descarta mudar de sigla ou criar uma nova.





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