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Manifestação da presidência da CDHM quanto à PEC 215
É preocupante a aprovação, por comissão especial nessa semana, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. O projeto retrocede na demarcação de territórios tradicionais indígenas e quilombolas e, por isso, é uma ameaça aos direitos humanos.
A Constituição assegura aos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Essa garantia é uma cláusula pétrea, contra a qual se insurge a PEC 215. Pela proposta as demarcações serão feitas pelo Legislativo e não mais pelo Executivo, como é hoje. Na prática a PEC abole futuras demarcações, em razão da substituição da análise técnica por juízo político, em uma lógica congressual em que impera quem tem mais poder.
Os indígenas são uma minoria na sociedade e não são sequer representados no parlamento. O paliativo inserido pelo relator, de criar uma vaga para um deputado indígena – uma em 513! – não resolve, sequer ameniza, a sub-representação desses povos. Mas a democracia não se reduz à vontade das maiorias e muito menos prevalência do poder de grupos econômicos. Democracia é também respeito às minorias, e a PEC 215 viola esse princípio universal de direitos humanos.
A PEC 215 permite ainda a instalação, em terras indígenas, de redes de comunicação, rodovias, hidrovias e outras edificações de serviços públicos. Prevê possibilidade de partilha, permuta e arrendamento dessas áreas. Além do impacto ambiental catastrófico que isso representará, a proposta trata a terra indígena como uma propriedade rural.
A diferença básica entre um pedaço de terra qualquer e a terra indígena é a tradicionalidade: o modo de ser associado a um lugar específico, o sentido de permanência, de continuidade etnográfica. A Constituição abriga esse conceito ao definir terras tradicionalmente ocupadas pelos índios como “as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Esses direitos originários dos indígenas às suas terras, reconhecidos pela Constituição, não podem ser retirados por uma PEC, sob pena de violação de cláusula pétrea e de um retrocesso civilizacional.
Outro ponto problemático do texto aprovado anteontem é a autorização de que as forças militares e policiais atuem em terras indígenas independentemente de consulta às respectivas comunidades. Isso contraria a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, da qual o Brasil é signatário. Essa norma, de hierarquia supralegal, estabelece a necessidade de consulta aos povos interessados sobre qualquer medida que possa afetá-los. A violação desse e de outros tratados podem levar à responsabilização internacional do Brasil.
Há ainda na PEC vedação de que seja ampliada terra indígena já demarcada e disposição segundo a qual as demarcações só podem ocorrer em terras ocupadas pelos indígenas em outubro de 1988 – requisito que o substitutivo aprovado estendeu aos remanescentes de quilombos. A questão é que nem todos os indígenas e quilombolas estavam sobre suas terras quando a Constituição foi promulgada. Isso porque esses povos, não em tempos remotos, mas ainda no século XX, sofreram uma política de expulsão.
O esbulho recente dos indígenas, praticado por particulares e pelo Estado brasileiro, por meio do confinamento, da tortura e morte, é atestado por diversos documentos fidedignos -- o Relatório da Comissão Nacional da Verdade, pesquisas historiográficas, laudos antropológicos, o Relatório Figueiredo e o registro do testemunho desta Comissão de Direitos Humanos e Minorias em sucessivos relatórios.
Como presidente deste Colegiado da Câmara dos Deputados, participei pessoalmente de cinco missões oficiais a terras indígenas no Mato Grosso do Sul, palco maior de conflitos do gênero na atualidade. Lá entendi que o vínculo originário e existencial dos indígenas com suas terras tradicionais não foi apagado nem atenuado pelo esbulho que sofreram nas últimas décadas; e que tampouco será apagado por alguma decisão judicial ou emenda à constituição.
Mesmo depois da recente, persistente e violenta expulsão de suas terras, algumas comunidades indígenas, com a Constituição de 1988, conseguiram fazer com que o Estado brasileiro avançasse no processo demarcatório. Mas esse avanço no pagamento da dívida histórica com os povos indígenas sofre novo retrocesso, em parte encampado por decisões judiciais, em parte pela inércia do Executivo, em parte pelo Congresso Nacional. Por isso a PEC 215 só aumentará os conflitos, que já são gravíssimos – dezenas de assassinatos por ano, muitas vezes praticados por milícias armadas contratadas por fazendeiros.
A Proposta de Emenda à Constituição 215 impossibilita na prática futuras demarcações e abre caminho para o retrocesso em áreas já reconhecidas como tradicionais. Sua eventual aprovação significaria mais um paço para o extermínio de indígenas enquanto tais em pleno Século XXI.
Mas os interesses de um grupo econômico não podem prevalecer sobre a vida e a diversidade humanas. A preservação dos povos indígenas é um imperativo ético. Por isso eu e a bancada de deputados que defende os direitos humanos trabalharemos para que a proposta seja derrubada em plenário.
A Constituição assegura aos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Essa garantia é uma cláusula pétrea, contra a qual se insurge a PEC 215. Pela proposta as demarcações serão feitas pelo Legislativo e não mais pelo Executivo, como é hoje. Na prática a PEC abole futuras demarcações, em razão da substituição da análise técnica por juízo político, em uma lógica congressual em que impera quem tem mais poder.
Os indígenas são uma minoria na sociedade e não são sequer representados no parlamento. O paliativo inserido pelo relator, de criar uma vaga para um deputado indígena – uma em 513! – não resolve, sequer ameniza, a sub-representação desses povos. Mas a democracia não se reduz à vontade das maiorias e muito menos prevalência do poder de grupos econômicos. Democracia é também respeito às minorias, e a PEC 215 viola esse princípio universal de direitos humanos.
A PEC 215 permite ainda a instalação, em terras indígenas, de redes de comunicação, rodovias, hidrovias e outras edificações de serviços públicos. Prevê possibilidade de partilha, permuta e arrendamento dessas áreas. Além do impacto ambiental catastrófico que isso representará, a proposta trata a terra indígena como uma propriedade rural.
A diferença básica entre um pedaço de terra qualquer e a terra indígena é a tradicionalidade: o modo de ser associado a um lugar específico, o sentido de permanência, de continuidade etnográfica. A Constituição abriga esse conceito ao definir terras tradicionalmente ocupadas pelos índios como “as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Esses direitos originários dos indígenas às suas terras, reconhecidos pela Constituição, não podem ser retirados por uma PEC, sob pena de violação de cláusula pétrea e de um retrocesso civilizacional.
Outro ponto problemático do texto aprovado anteontem é a autorização de que as forças militares e policiais atuem em terras indígenas independentemente de consulta às respectivas comunidades. Isso contraria a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, da qual o Brasil é signatário. Essa norma, de hierarquia supralegal, estabelece a necessidade de consulta aos povos interessados sobre qualquer medida que possa afetá-los. A violação desse e de outros tratados podem levar à responsabilização internacional do Brasil.
Há ainda na PEC vedação de que seja ampliada terra indígena já demarcada e disposição segundo a qual as demarcações só podem ocorrer em terras ocupadas pelos indígenas em outubro de 1988 – requisito que o substitutivo aprovado estendeu aos remanescentes de quilombos. A questão é que nem todos os indígenas e quilombolas estavam sobre suas terras quando a Constituição foi promulgada. Isso porque esses povos, não em tempos remotos, mas ainda no século XX, sofreram uma política de expulsão.
O esbulho recente dos indígenas, praticado por particulares e pelo Estado brasileiro, por meio do confinamento, da tortura e morte, é atestado por diversos documentos fidedignos -- o Relatório da Comissão Nacional da Verdade, pesquisas historiográficas, laudos antropológicos, o Relatório Figueiredo e o registro do testemunho desta Comissão de Direitos Humanos e Minorias em sucessivos relatórios.
Como presidente deste Colegiado da Câmara dos Deputados, participei pessoalmente de cinco missões oficiais a terras indígenas no Mato Grosso do Sul, palco maior de conflitos do gênero na atualidade. Lá entendi que o vínculo originário e existencial dos indígenas com suas terras tradicionais não foi apagado nem atenuado pelo esbulho que sofreram nas últimas décadas; e que tampouco será apagado por alguma decisão judicial ou emenda à constituição.
Mesmo depois da recente, persistente e violenta expulsão de suas terras, algumas comunidades indígenas, com a Constituição de 1988, conseguiram fazer com que o Estado brasileiro avançasse no processo demarcatório. Mas esse avanço no pagamento da dívida histórica com os povos indígenas sofre novo retrocesso, em parte encampado por decisões judiciais, em parte pela inércia do Executivo, em parte pelo Congresso Nacional. Por isso a PEC 215 só aumentará os conflitos, que já são gravíssimos – dezenas de assassinatos por ano, muitas vezes praticados por milícias armadas contratadas por fazendeiros.
A Proposta de Emenda à Constituição 215 impossibilita na prática futuras demarcações e abre caminho para o retrocesso em áreas já reconhecidas como tradicionais. Sua eventual aprovação significaria mais um paço para o extermínio de indígenas enquanto tais em pleno Século XXI.
Mas os interesses de um grupo econômico não podem prevalecer sobre a vida e a diversidade humanas. A preservação dos povos indígenas é um imperativo ético. Por isso eu e a bancada de deputados que defende os direitos humanos trabalharemos para que a proposta seja derrubada em plenário.
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