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Domingo - 04 de Novembro de 2018 às 22:32

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Recentemente o governador eleito Mauro Mendes (DEM) declarou em entrevista à TV que pretende aumentar a estrutura do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira), tecendo elogios aos resultados obtidos pelo comitê criado pelo governador anterior. Garantiu ainda que irá continuar a “caçar” os sonegadores. Tal atitude é absolutamente louvável e demonstra o quão sintonizado está com os problemas e necessidades que deverá enfrentar a partir do dia primeiro de janeiro próximo, quando assumirá a cadeira e a caneta.

Porém, sinto-me no dever cívico de desvelar o significado dos R$ 1,8 bilhões efetivamente recuperados e que surpreenderam o próximo mandatário do Palácio Paiaguás. Como é por óbvio, todo esse recurso provém da sonegação de tributos que deixaram de ser declarados, apurados e recolhidos no momento que a legislação determina. São recursos que não ingressaram no tesouro estadual em períodos passados - frequentemente superiores a 4 anos.

Essa omissão foi então detectada anos depois de consumada pelo trabalho criterioso de Fiscais de Tributos Estaduais, que seguindo procedimento estritamente vinculado constituíram o auto de infração. Esses autos foram analisados por diversos outros servidores no âmbito administrativo e, alguns na esfera judicial, consumindo milhares de horas de trabalho. A questão central, portanto, não é a qualidade do trabalho desempenhado por esses servidores, mas sim o que representa.

Considere aqui que esses recursos se refiram a períodos de apuração de 5 anos. 60 meses, portanto. Esses recursos, em matemática elementar, representariam um ingresso mensal de R$ 30 milhões. O que poderia ter sido feito com tais recursos? Quanto medicamento poderia ter sido adquirido? Quantas UTIs poderiam ter sido criadas e mantidas? Quantas escolas poderiam ter sido reformadas? Quanto armamento poderia ter sido disponibilizado às forças policiais? E hoje? O que significa R$ 1,8 Bilhões para o paciente que ficou sem tratamento ou aquele que morreu por falta de leito? Para o estudante que não recebeu os ensinamentos com a qualidade necessária? Para o cidadão amedrontado com os assaltos e assassinatos ocorridos por falta da repressão adequada?

Esses quase 2 bilhões de reais representam um custo muito elevado. O custo do que não foi feito no momento necessário. Ainda, o custo de milhares de horas de trabalho dos servidores mais bem pagos do Estado. O custo para empresas que lidam com a insegurança de serem autuadas em centenas de milhões de reais por questões que poderiam ter sido esclarecidas e saneadas tempestivamente. Mas acima de tudo: o custo do que não foi feito.

É isso o que realmente deveria surpreender o futuro mandatário do Estado. Por que a Sefaz não detectou a sonegação no mês posterior ao fato gerador? Essa pergunta é reveladora. Ela se deve a uma opção organizacional tomada no início da atual gestão, refletida no Regimento Interno da instituição - que desmontou suas unidades de controle e privilegiou a auditoria, abdicando do monitoramento. Esse modelo de administração tributária, defasado e criticado no mundo inteiro, não é capaz de promover o cumprimento voluntario das obrigações tributárias. Pelo contrário, limita-se a alimentar a indústria de recursos e impugnações. Gera autuações multimilionárias, mas de baixíssima liquidez - que em casos raros são recuperadas num esforço hercúleo do Cira.

O fato é que estamos vivendo, ao mesmo tempo, um momento de crise financeira e de alternância democrática do poder - abrindo as portas para as oportunidades de mudança inerentes a esses períodos. A Sefaz pode sim ser o locus dessa transformação. Dispõe dos recursos de informática, das bases de dados eletrônicas e de uma categoria inteira de servidores com atribuição funcional de controle através do cruzamento de dados. Por mais elogiável que seja o trabalho desempenhado pelo Cira, ele não dispõe da eficiência necessária para assumir o papel de órgão arrecadador. Apenas uma parcela mínima da sonegação é recuperada, haja visto os bilhões de reais que repousam na Dívida Ativa e os outros bilhões que sequer foram alvo de auditorias e objeto de lançamento tributário.

A Sefaz deve voltar a ser o principal órgão arrecadador do Estado, garantidor da receita e suporte à concretização das políticas públicas. Dinâmico e eficiente. Identificando fraudes precocemente e promovendo a arrecadação voluntária e tempestiva dos recursos necessários à concretização dos anseios do cidadão.

Rafael Vieira

Agente de Tributos Estaduais

Gerente da Fiscalização de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

Esteve à frente da Operação Crédito Podre, pela Sefaz/MT



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