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Domingo - 20 de Outubro de 2019 às 21:08

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Os leitores/as aficcionados pelo jogo de sinuca, que distrai e faz concentrar a mente, conhecem a expressão “sinuca de bico”, que significa uma jogada de alto risco a desafiar os profissionais do taco. Não é o meu caso. Sou amador no assunto. Mas, o STF, onde exímios jogadores/as tem assento, alguns até que interpretam a Constituição fazendo-a dizer o que não está escrito, como temos visto, tem agora uma jogada extremamente complexa a deslindar: a prisão após julgamento em 2ª instância. A jogada começou ontem e promete surpresas. Entendendo a jogada: até 2016, qualquer pessoa que fosse condenada pela Justiça tinha o direito de aguardar em liberdade até que todos os recursos possíveis estivessem esgotados.

O julgamento final, a última sentença válida, é o que é chamado de “trânsito em julgado”. Para os réus brancos, bem nascidos e ricos, era o manjar dos céus. Seriam presos? nunca, vide o caso Maluf-SP. Condenado em 1994, por improbidade administrativa, foi preso, por menos de três meses, em 2018 e solto graças a uma entendimento do ministro Dias Tóffoli, “por questões humanitárias”.

Engraçado que essa compaixão cristã não alcança o preso pobre, preto e favelado. Só os “donos do poder” – livro famoso de Faoro. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou o entendimento sobre o assunto, no julgamento do Habeas Corpus nº 84078. Até 2009, o STF entendia que executar a pena antes do esgotamento dos recursos não feria a presunção da inocência.

Ou seja, o tema tem ido e voltado na corte máxima do país já há anos. Em 2016, o relator do HC 126.292 foi o ministro Teori Zavascki, que assentou o entendimento, vitorioso então, que “a presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado”, Naquela ocasião, o entendimento de que cabe prisão após a segunda instância prevaleceu por 7 votos a 4. Em outubro do mesmo ano, o STF voltou a analisar a questão, desta vez julgando em caráter liminar as ações do Partido Ecológico Nacional (PEN) e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pediam que a decisão de fevereiro fosse revertida. Tratam-se das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44.

Dessa vez, o relator do caso foi Marco Aurélio Mello, que recomendou que o pedido do PEN e da OAB fosse aceito. No entanto, ele foi voto vencido mais uma vez: Fachin, Barroso, Zavascki, Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia escolheram manter a decisão por 6 votos a 05, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância. No rastro da ampla defesa e do contraditório total- até o STF se necessário, há uma forte argumentação jurídica de que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar (preventiva, por exemplo, a teor do art. 312 do CPP).

Isso porque a ampla defesa englobaria todas as fases processuais, razão por que a execução da sentença após o julgamento da apelação implica na restrição do direito da defesa, com desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. Fala-se que poderá haver mudança por parte de alguns ministros do SFF quanto ao “dies a quo” para cumprimento da pena que poderia ser o trânsito em julgado da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) de um eventual recurso especial, à luz do que é abordado no artigo 105, III, da Constituição Federal.

Uma “modulação” do mágico mor Dias Tofoli. Ou seja, decisão que nem agrada nem desagrada. Lavam-se as mãos dos ministros perante a população. O problema de fundo continuará não resolvido. Lula e mais outros 30 da Lava Jato, serão soltos? Outros quase 5000 no Brasil vão pra casa? Essa fumaça de impunidade- falsa ou não, é que está também em xeque pela população e na cabeça das excelências coroadas do STF.

Os processos penais terão fim algum dia, ou dependerá da situação e status do réu? A nossa Carta Magna, prevê expressamente no artigo 5º, inciso LVII, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". É o chamado princípio de não-culpabilidade ou princípio da presunção de inocência. Mas, tecnicamente, ser considerado culpado ou não, é ato processual que se esgota na primeira instância, pois no segundo, terceiro ou quarto graus de julgamento de recursos, não se discute fatos, mas questões de Direito somente- regularidade do processo, ampla defesa, contraditório, se foi infringida alguma lei federal ou artigo da CF, etc.

Não há novas provas, testemunhas, diligências, etc a fazer; portanto, o apelante já é culpado quando recorre. Não é mais, legalmente, inocente;.não há mais presunção de inocência, mas culpa formada e provada. Nos países civilizados, a prisão ocorre após a sentença de 1º grau: EUA, França, Itália, Suiça, Suécia, Inglaterra, etc. O condenado poderá recorrer, mas preso. Será que somente o Brasil (e Portugal) estão certos e todo o mundo errado? Na verdade, a prisão é um "castigo" imposto pelo Estado ao condenado pela prática de infração penal, para que este possa se reabilitar visando restabelecer a ordem jurídica violada. Se nunca for preso, como vai se reabilitar ou restabelecer o equilíbrio jurídico violado-paz social? A existência das prisões obedece a diversos motivos, que foram mudando ao longo do tempo.

Em geral, entende-se que uma prisão permite proteger a sociedade dos indivíduos perigosos e, em consequência, reeducar os condenados e presos para que possam ser reintegrados na comunidade. A prisão também tem um efeito dissuasório, tendo em conta que aqueles que tiverem a intenção de cometer um ato ilícito sabem que podem acabar presos. Em resumo: a discussão no STF será muito mais retórica (“ladainha”- Min. Marco Aurélio), do que jurídica.

Os ministros vão votar olhando as ruas, pois a repercussão ultrapassará o Direito. Todos sabem e até os advogados, que nenhuma 2ª, 3ª instâncias mudam os fatos de um processo, mas somente podem corrigir erros processuais havidos ou violações da lei, como ocorreu recentemente no caso dos delatores versus delatados. Recomeça-se o rito processual a partir do erro, mas não se inocenta o condenado ou se anula o processo, como sonham alguns condenados. Vamos ouvir muito latim, citações doutrinárias, mas, o que é importante, o resultado impactará toda a justiça brasileira, para o bem ou para o mal. Ou seja, ou a lei será igual para todos ou igual somente para uns mais desafortunados. Como dizia Dom Pedro II do Brasil (e nesses tempos bolsonarianos, um imperador terrivelmente irresponsável): “Jurei a Constituição, mas ainda que não a jurasse, seria ela para mim uma segunda religião.”.

(*) Auremácio Carvalho é Advogado.



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