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Domingo - 02 de Fevereiro de 2014 às 17:23
Por: Lourembergue Alves

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 A política só se realiza em um campo bastante apropriado. E este, vale lembrar, jamais poderia ser outro senão aquele essencialmente humano, pois nunca se viu pardais deliberando-se. O que descarta a assertiva de que a dita atividade só se realiza no espaço das siglas partidárias, dos Parlamentos e do cruzamento entre o Legislativo e o Executivo, como se a política fosse exclusivamente um fazer daqueles que “vivem dela ou para ela”. É claro que não. Este fazer, na verdade, se realiza em todos os lugares onde haja duas ou mais pessoas, e é a razão da própria ação humana, uma vez que se encontra na essência de quaisquer assuntos, dos mais bobos aos complexos. Ainda que seja no âmbito jurídico, público ou privado, ou nas questões íntimas a dois. Nestas e em todas as outras, cabe lembrar, sempre haverá o posicionar-se, mesmo que em silêncio. Pois um simples gesto, um sinal e um som são formas de comunicação, e esta, ao ser transmitida, eventualmente recebe outra mensagem como resposta, provocando assim o diálogo.

Inexiste, portanto, política sem o diálogo. Isso já foi dito nesta coluna, em artigos anteriores. Mas nunca é demais repeti-lo, até para que não haja dúvida alguma a respeito e, também, para chamar a atenção dos que pensam que somente às presenças e o balbuciar deles próprios podem ser identificadas como política. Esta é bem mais do que a simples ostentação de cargos e o fazer-se presente no plenário dos Parlamentos. Pois não é toda vez que se tem, neste recinto, o posicionar-se, o manifestar-se, ainda que amparados por palavras desencontradas. Daí o percurso natural dos “caititus”, parafraseando aqui um ex-deputado. É, aliás, de outro ex-parlamentar a seguinte frase: “discutir com quem não tem leitura”, seria “perda de tempo”. Frase reveladora. Revela o porquê da atual taciturnidade, da falta do brilho de outras épocas, a exemplo do período de 1947-1967, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso.

Apesar disso, curiosamente, os chamados representantes do povo querem ser ovacionados, aplaudidos, e, quando questionados, reagem de maneira descortês e deselegante. Isso porque não aceitam ter em xeque-mate seus próprios desempenhos. Ignoram, portanto, a arte do debate, uma vez que lhes falta à argumentação necessária, e, por conta disso, recusam-se a escutar a opinião de outrem. Tanto que é bastante comum saírem com a cantilena de uma nota só: “quem se posiciona de maneira diferente” a deles “está contra o Estado, contra a sociedade”. O uso de tal cantilena, na verdade, também é uma tentativa de desqualificação do interlocutor, bastante presente no tablado político-eleitoral e por quem não conta com fundamentação alguma, e de fugirem da discussão. Mal sabem eles que discutir é, conforme o dicionário Houaiss, “por em dúvidas”, “contestar”, “levantar questões a respeito”, “analisar questionando” e, por último, que não é fim, mas a essência de tudo, “o argumentar”, e este, segundo o mesmo dicionário, evidentemente, exige a apresentação “de ideias em objeção a outras ideias”, “de fatos”, “razões lógicas”, que comprovem um dado posicionamento ou manifestação, a qual pode, e bem, servir para a desaprovação de ações e atos dos representantes do povo.

Tem-se, aqui, uma espécie de julgamento. O julgar é, para Kant, como para Hannah Arendt, uma “faculdade democrática”, assim como deveria ser o diálogo. Pois é através deste que alguém sai do estágio de casmurrice e se pega a conversar – não consigo mesmo – mas com os outros, e com quem se deve chegar a um acordo.

Justifica-se, então, porque o diálogo requer um dado espaço, o da palavra e da ação, o qual, na verdade, é o mesmo campo da política – atividade, portanto, de todos.

Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br


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