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Sábado - 16 de Novembro de 2013 às 10:36
Por: Lourembergue Alves

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Em dia de aniversário, comemora-se e festeja-se. Raramente, a data é utilizada para um balanço, uma reflexão sobre a situação vivida, bem como a que já se viveu. Reflexão e balanço necessários, até em razão do percurso a ser feito, uma vez que o viver é um construir, e este se dá com o que se tem. Afinal, inexistem mudanças a partir do zero, nem em função de esquecimentos, mesmo que elas tenham sido impulsionadas por rupturas, a exemplo da República brasileira, cujo útero que a gerou se formou no Império, mais precisamente a partir dos desacertos deste regime, ainda que sem o povo.

Quadro revelador. Revela as contradições, as quais não estão presas tão somente ao passado, mas também ao presente e, certamente, se mostrarão no futuro. Isso não faz do Brasil um país único. O que lhe faz único é a sua história, cujas páginas – escritas com sangue, suor e desprendimentos – trazem à mostra as características que o identificam como nação, povo e Estado.

O Estado brasileiro, no entanto, foi e está sendo construído com tijolos do patrimonialismo e do cartorialismo, assentados sobre a argamassa do elitismo. Tripé que sustenta a existência de dois Brasis. O primeiro, a dos brasileiros que tudo pode, e se acham estar acima do bem e do mal, a ponto de fazerem da coisa pública extensão de seus negócios particulares. Nada os faz temer. Tanto que grudam, por décadas, as tetas do governo, enquanto as sugam com a ajuda de uma das mãos, já que com a outra apossam dos espaços públicos, a exemplo de ruas, calçadas e praças.

Os brasileiros do segundo Brasil, diferentemente dos do primeiro, quando recorrem aos instrumentos do Estado, vêem-se abandonados, sem a assistência que lhes é devida, sequer, da saúde pública. Resultam-se daí as enormes filas dos que precisam de cirurgias, de leitos e de remédios. E olhe que já se pensou em um imposto apropriado, a IPMF e/ou CPMF. Mas o tal imposto ou contribuição, contudo, de nada adiantou, uma vez que grande parte do arrecadado saia pelos ralos da corrupção – igual destino que é dado a tantos outros recursos.

A impunidade campeia. Isso há bastante tempo. A decisão do STF com relação aos mensaleiros pode ser um fio de esperança, não o fim da impunidade, uma vez que esta é alimentada por várias flores de um mesmo jardim, embora nem sempre visitadas pelo mesmo grupo de abelhas, embora este dado grupo seja de igual colméia, que alimenta do néctar e dos grãos de pólen selecionados pelas “operárias”, em uma referência a “Fábula” de Bernard Mandeville.

O cenário vivido por esse autor em nenhum pouco se associa ao do Brasil. E o Brasil de hoje, vale dizer, está bastante diferente do de ontem. Os “coronéis da política” continuam existindo, porém se apresentam modernosamente, e fazendo uso da tecnologia, do e-mail e das redes sociais, sem desgrudarem de velhas táticas, tal como a utilização do cargo para obterem favores variados, inclusive para distribuírem passaporte especial para filhos, parentes e agregados.

Daí o “você sabe com quem está falando?” Pergunta, infelizmente, bastante frequente hoje. Injustificável, uma vez que o país há muito, rompeu com a velha divisão entre a Casa Grande e a Senzala, dando-se ao luxo do viver em uma nova fase, onde milhares de brasileiros deixaram a linha da miséria e, cada vez mais, um número crescente tem acesso aos variados bens de consumo. Mas, a despeito deste avanço e em meio aos espaços sociais, o país continua a permitir que enormes entraves sejam erguidos, escondendo os casarões dos casebres, os condomínios das palhoças.

Nessa brincadeira de esconde-esconde, o país perde sua capacidade de reflexão. Daí a sua preferência pela comemoração e sua crença nas peças de marketing dos governos.

Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.      



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